Por Maristela Basso*
Artigo publicado originalmente na ConJur
O encontro em Moscou entre os presidentes do Brasil e da Federação Russa não implica apenas o fortalecimento da parceria e amplia o diálogo político, elevando o relacionamento bilateral, mas também desperta a atenção sobre uma nova ordem mundial multipolar.
Os tempos mudaram.
A ameaça de invasão da Ucrânia e a possível resposta bélica dos países membros da Otan não obnubilam o dinamismo de um sistema internacional inclusivo, que precisa ser mais equitativo e representativo, voltado à promoção da paz, da democracia e da prosperidade. Isto é, capaz de colocar em prática os princípios e propósitos da Carta das Nações Unidas e congregar em torno do clamor por justiça global.
Como se sabe, o mundo não pode mais sustentar-se na polaridade entre Estados Unidos e China, Rússia e China, EUA e Rússia ou União Europeia e América do Norte, sem o México.
A nova ordem mundial deve ser multipolar, lastreada no consenso, na cordialidade e na busca do equilíbrio entre interesses, em que o ganho de um não significa a soma das perdas dos demais.
É essa a mensagem que se extrai da viagem à Rússia.
Uma ordem multipolar se fundamenta no dinamismo da cooperação entre as nações que deve ser feita por meio do bilateralismo, regionalismo e multilateralismo. São estratégias que não se excluem. Pelo contrário, se somam.
Essa é a tradição da Casa de Rio Branco.
O Brasil tem musculatura para fazer e manter alianças estratégicas com parceiros localizados nos mais diversos e complexos pontos do planeta. E elas não conflitam umas com as outras. Aglutinam-se e em novo cenário geopolítico multinacional.
Os Estados Unidos são um dos principais parceiros comerciais do Brasil. Por muitos anos foram nosso maior aliado econômico, mas atualmente esse posto é ocupado pela China. De qualquer forma, os EUA são muito importantes, tanto é que em 2020 foram nosso segundo principal parceiro, tanto de exportações quanto de importações.
A China é o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009. Sua importância para nós é gigantesca. Os chineses são nossos principais compradores e os que mais investem aqui.
Depois de China e EUA, vêm Argentina, Países Baixos, Chile, Singapura, México, Coreia do Sul, Japão e Espanha, entre outros.
Com todos esses países as relações bilaterais devem ser continuamente fortalecidas, o diálogo, ampliado, os interesses mútuos, diversificados e a pauta comercial, constantemente revista para acrescentar serviços e mercadorias de alto valor agregado. Oportunidades de negócios e investimentos devem ser alavancas constantes da cooperação e aproximação dos empresários, pesquisadores e estudantes.
Relações exteriores 1 + 1 não excluem aquelas 1 + regionalismo e 1 + multilateralismo.
Um país diplomaticamente maduro, como o Brasil, olha o mundo de forma panorâmica.
Dai porque na agenda brasileira devem estar também o adensamento das relações com o Mercosul, os Brics, a União Econômica Euroasiática, a OCDE e o G20. Fóruns de países voltados à promoção de uma nova ordem mundial multipolar.
Fortalecer a Organização Mundial do Comércio (OMC), com vistas a ampliar fluxos de comércio, investimentos e defesa dos princípios do livre mercado, mirando o multilateralismo equilibrado, democrático e sustentável, é uma das metas que devem ser reavivadas diariamente pela nossa diplomacia responsável.
Todas essas iniciativas devem ter como razão fundamental reafirmar o compromisso da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
Ao solidificar as relações com a Rússia, a diplomacia brasileira reafirma o compromisso com as obrigações no âmbito do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, encoraja esforços e iniciativas que visam a reforçar a autoridade da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) e a integridade e necessidade de observância da Convenção sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Armazenagem e Utilização de Armas Químicas e sobre a sua Destruição.
O momento não poderia ser mais oportuno.
Quando o mundo parece convulsionar, a viagem do Brasil à Rússia pode representar oxigênio puro.
Maristela Basso é professora de Direito Internacional e Comparado da USP e sócia do escritório NWADV.