Por Angélica Andrade*
Artigo publicado originalmente no Estadão
O mundo digital já faz parte do nosso dia a dia e, com isso, temos que refletir sobre o impacto das nossas atividades virtuais, inclusive no caso de morte.
O Direito Sucessório está sendo cada vez mais engolido mundo afora pelo uso das tecnologias, em confronto com a evolução das leis e criação/utilização dos institutos, como o que chamamos de herança digital.
A herança digital, em simples conceituação, é tudo aquilo que o indivíduo armazena ou cria digitalmente durante a sua vida, como contas em redes sociais, senhas, criptomoedas, domínios de sites, assinaturas, bens ou serviços digitais utilizados, tornando-se herança após o falecimento do indivíduo.
Apesar de se tratar de bens incorpóreos, ou seja, aqueles imateriais, os arquivos virtuais podem ser suscetíveis a negociações mercantis. Por exemplo, existem vários documentos, desenhos, criptomoedas, pontos de milhagem, protótipos, que são ativos digitais imensamente valiosos. E isso ganha um viés maior quando se trata do trabalho daquela pessoa – e isso também se denota no direito de propriedade intelectual.
Quanto à transmissão da herança que é tratada no art. 1.784 do Código Civil, entendo que a herança digital também se transmite de forma contígua, sem ter que haver qualquer procedimento para tanto. Claro que se houver testamento e disposição expressa de que não há vontade de transmissão dos bens digitais pelo falecido, isso deve ser preservado.
No geral, as plataformas e aplicativos não dispõem da cláusula evento morte, porém desde 2015 há uma opção no Facebook para o chamado ‘’contato herdeiro’’. E em 2020, diante um “case’’ terrível na Alemanha, onde se investigava um possível motivo de suicídio, a empresa foi compilada para dar acesso aos pais da falecida, a fim de que investigassem sua rede e talvez descobrissem o real motivo da provocação de sua morte.
Já aqui no Brasil há um caso pendente de reforma de decisão no STJ, pois a herdeira possuía a senha do Facebook e, mesmo assim, a conta foi excluída sem sua permissão. Neste caso, há prejudicialidade em não haver uma legislação direcionada para o tema para que os julgadores possam julgar de forma adequada. Porém, entendo que deve ser encarado como um tema de Direito Sucessório, assim podendo utilizar dos princípios basilares da sucessão já dispostos no Código Civil.
A tecnologia disponível hoje nos torna cada vez mais interessados em fazer parte deste mundo virtual e construir nossos bens dentro disso e porque não beneficiar outros postumamente?
Há projetos de lei para introdução de um parágrafo específico sobre o tema no Código Civil e na Lei do Marco Civil da Internet. Porém, anteriormente já houve projetos parecidos que foram arquivados. Apesar de termos as leis que veiculam sobre Direito Sucessório e proteção de dados, infelizmente nenhuma abarcou o assunto. Temos um conjunto de leis robusto, mas a sociedade da informação não para de evoluir e o Direito deve estar atento à essas evoluções.
Sabemos que hoje nossas identificações são feitas por reconhecimento facial, login, senha, certificados digitais sendo que isso alterou nosso modo de viver. Assim, concluo que há necessidade da criação de um novo instituto dentro do Direito Sucessório, com ênfase na herança digital, tendo em vista a segurança jurídica. Sendo preservado os direitos de escolha pelo titular do dado, mas, na ausência de declaração expressa, os herdeiros passam a ser os titulares.
*Angélica Andrade, advogada controller no Diamantino Advogados Associados