Por unanimidade, a Seção Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro suspendeu todos os processos no estado que discutem exclusivamente a compensação por dano moral pela compra de produtos alimentícios impróprios. O colegiado admitiu o IRDR (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas) em outubro por conta da divergência sobre o assunto.
O desembargador Eduardo Gusmão foi quem suscitou o IRDR. Ele ponderou que, embora a Súmula 383 do TJ-RJ estabeleça que a “a aquisição de gênero alimentício impróprio para consumo não importa, por si só, dano moral”, há identificação de decisões conflitantes sobre o tema. Já o relator do IRDR, desembargador Werson Rêgo, entendeu que a súmula não impede que sejam verificados, nos casos concretos, “a extrema repugnância ou o risco à saúde, capazes de gerar a compensação por dano moral, ainda que não ocorra o efetivo consumo do produto alimentício”. Assim, Rêgo votou pela admissão do IRDR para definição de tese jurídica sobre “a possibilidade ou não de compensação de dano moral por acidente de consumo, decorrente da simples aquisição de produto impróprio, por si só, ainda que não ocorra a ingestão do seu conteúdo”.
Advogados consultados pela ConJur analisaram a questão.
Para Laura Almeida Machado, sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados e advogada especialista em contencioso cível empresarial e consumerista, o incidente foi necessário porque ainda havia divergência de entendimento sobre a matéria dentro do próprio tribunal. “A súmula não tem efeito vinculante entre os integrantes do TJ-RJ, ao contrário do IRDR, que possui tal característica”, diz.
Segundo ela, havia decisões que entendiam que para a condenação em danos morais era exigido o efetivo consumo do alimento impróprio, com larvas, por exemplo. “Por outro lado, havia decisões afirmando que a simples aquisição do alimento impróprio já era suficiente para a caracterização do dano moral”, comenta.
De acordo com a advogada, “para uniformizar a jurisprudência e garantir a isonomia e segurança jurídica”, todos os processos que versem exclusivamente sobre essa matéria ficarão suspensos até a definição da questão pelo tribunal.
Laura Machado destaca, ainda, que recentemente o Superior Tribunal de Justiça apreciou o tema e entendeu não ser necessária a ingestão do alimento impróprio para consumo para a configuração do dano moral — que decorreria da exposição ao risco. “O efetivo consumo do alimento poderia ser utilizado para a fixação do valor da indenização, mas não como requisito essencial para a caracterização do dano. A princípio, não há vinculação deste entendimento do STJ com o julgamento que será realizado pelo TJ-RJ, mas pode ser um indicativo de como o tribunal irá decidir”, complementa.
Caio Montano, sócio do Contencioso Estratégico do Fragata e Antunes Advogados, afirma que o IRDR é interessante. “Na ausência de uma decisão ou recurso afetado por tribunal superior acerca do tema, espera-se que a decisão proferida neste IRDR possa unificar o entendimento a respeito da matéria, trazendo a devida segurança e isonomia que se espera da atividade jurisdicional.”
Já para Sofia Coelho, especialista em Direito Público e do Consumidor e sócia do Daniel Gerber Advogados, existem inúmeros precedentes dos tribunais brasileiros que entendem ser necessário o consumo do alimento impróprio, para caracterização do dano moral.
“Todavia, o entendimento que deve ser respeitado e efetivamente deve prevalecer sobre todos os outros é o da 2ª Seção do STJ, que firmou o entendimento de que é irrelevante a efetiva ingestão do alimento contaminado por corpo estranho — ou do próprio corpo estranho — para a caracterização do dano moral, pois a compra do produto insalubre é potencialmente lesiva à saúde do consumidor (Resp 1.899.304)”, destaca.
Ainda de acordo com Sofia, a jurisprudência do STJ tem cada vez mais reconhecido a possibilidade de indenização independentemente da comprovação de dor ou sofrimento, por entender que o dano moral pode ser presumido diante de condutas que atinjam injustamente certos aspectos da dignidade humana.
“A meu ver, o dano moral é inerente à deglutição do alimento contaminado, já que a situação de insalubridade estará presente, variando apenas o grau do risco a que o indivíduo foi submetido — o que deve se refletir na definição do valor da indenização”, avalia.
Foto: Divulgação / Avisa