Por Hugo Côgo*
Artigo publicado originalmente no Jota
Em sessão virtual concluída no dia último dia 22, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deu parcial provimento ao Recurso Extraordinário nº 714.139, com repercussão geral reconhecida (tema 745), para considerar inconstitucional a definição de alíquotas do ICMS para operações com energia elétrica e prestações de serviços de telecomunicação em percentual superior àqueles destinados às operações ou às prestações em geral, isto é, sem uma alíquota específica.
Quem pode se beneficiar do julgamento?
Primeiramente, cumpre destacar que o julgamento do RE nº 714.139 não implicou a declaração em abstrato da inconstitucionalidade de qualquer norma jurídica.
Significa dizer que as legislações dos estados que definam alíquotas de maneira contrária à tese fixada continuam produzindo normalmente seus efeitos, de modo que não há impacto imediato no valor do imposto destacado nas faturas de energia elétrica e de serviços de telecomunicação.
Desse modo, até que os estados adequem as alíquotas do ICMS ao decidido no RE nº 714.139, os interessados em buscar a aplicação das alíquotas destinadas às operações e às prestações em geral deverão propor medidas judiciais para questionar individualmente as legislações locais, inclusive para se requerer a restituição dos valores indevidamente cobrados nas faturas dos últimos cinco anos. Como a tese jurídica vincula todo o Poder Judiciário, os juízes e tribunais não poderão decidir de maneira contrária ao STF.
Embora o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tenha pacificado que o consumidor final da energia elétrica possui legitimidade para o ajuizamento dessas medidas judiciais (entendimento que igualmente tem sido adotado pelos tribunais nos casos de consumidor final de serviço de telecomunicação), ainda assim é preciso avaliar caso a caso se a tese efetivamente implicará benefícios econômicos.
O primeiro passo é verificar o que dispõe a legislação estadual. Por exemplo, no estado de São Paulo, o ICMS incidente sobre o fornecimento de energia aos grandes consumidores é apurado pela alíquota de 18%, ou seja, a mesma destinada às operações ou prestações gerais, razão pela qual a tese não possui aplicabilidade. Entretanto, determinados consumidores residenciais em São Paulo estão sujeitos à alíquota de 25%, de modo que poderiam ser beneficiados.
De forma diferente, no Espírito Santo as operações com energia elétrica sofrem a incidência de uma alíquota de 25% (excetuada a energia consumida exclusivamente na produção agrícola, sujeita a uma alíquota inferior), ao passo que o imposto devido nas demais operações é apurado pela alíquota de 17%, o que pode representar uma oportunidade para os consumidores finais.
Além disso, os pequenos consumidores eventualmente beneficiados por alíquotas reduzidas já se encontram em situação mais vantajosa e, consequentemente, não são alcançados pelo decidido no RE nº 714.139.
E mais: a possibilidade de aproveitamento de créditos de ICMS sobre a energia consumida em processo de industrialização pode reduzir significativamente a atratividade da tese, cuja aplicabilidade (especialmente para a pretensão de restituição do indébito dos últimos cinco anos) poderia ficar restrita à parcela da energia consumida que não gera direito a esses créditos.
Também é necessário observar que, nas situações em que se rateia o valor da energia elétrica – como pode acontecer em um condomínio –, as dificuldades inerentes à individualização do consumo podem tornar a judicialização da tese impraticável.
Portanto, o RE nº 714.139 não necessariamente implicará uma avalanche de novas medidas judiciais, já que, como visto a partir de alguns poucos exemplos, a tese fixada exige uma avaliação particular para cada consumidor a respeito dos potenciais benefícios econômicos.
Haverá modulação dos efeitos do julgamento?
A certidão de julgamento do RE nº 714.139 declarou que “quanto à modulação dos efeitos da decisão proposta pelo ministro Dias Toffoli, acompanhado pelo ministro Nunes Marques, o julgamento foi suspenso para colheita, em assentada posterior, dos votos dos demais ministros”.
A suspensão para esse fim surpreendeu a todos que acompanhavam o julgamento, pois a modulação ainda não havia sido requerida nos autos, em que pese o ministro Dias Toffoli tenha proposto a produção de efeitos do julgamento a partir de 1º de janeiro de 2022, ressalvadas “as ações ajuizadas até a véspera da publicação da ata do julgamento do mérito”, e apenas o ministro Nunes Marques tenha aderido à proposta até a finalização da sessão virtual no último dia 22.
Aliás, foi somente após a certificação da suspensão que Santa Catarina e os demais estados admitidos nos autos requereram a modulação de efeitos, para que passe a produzir efeitos a partir do exercício de 2023 e não haja ressalva com relação às ações já ajuizadas sobre a tese.
Imediatamente após a inclusão do RE nº 714.139 na sessão virtual iniciada nesta sexta-feira (26), em que o ministro Toffoli reiterou a proposta de modulação dos efeitos da decisão, “estipulando-se que ela produza efeitos a partir do início do próximo exercício financeiro (2022), ressalvando-se as ações ajuizadas até a véspera da publicação da ata do julgamento do mérito”, o julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
Ainda que não seja possível prever se o STF efetivamente modulará os efeitos do julgamento ou se essa modulação seguirá os parâmetros propostos por Toffoli, recentes decisões da própria Corte sinalizam para uma grande probabilidade de modulação.
Nesse sentido, podem ser mencionadas as inconstitucionalidades (i) do diferencial de alíquota do ICMS, que passará a produzir efeitos a partir de 1º de janeiro de 2022, e (ii) da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, que passou a produzir efeitos desde 15 de março de 2017, data de julgamento do mérito do Recurso Extraordinário.
Como se vê, essas recentes modulações lançam grande incerteza sobre a aplicação da tese fixada no RE nº 714.139, e por responsabilidade exclusiva do STF, que demonstra uma tendência em postergar a eficácia de decisões favoráveis aos contribuintes.
Hugo Côgo – Sócio Coordenador Tributário do escritório SGMP Advogados