Opinião

Metaverso político-eleitoral

Temos muitas regras fiscais, mas ao mesmo tempo todas elas podem ser descumpridas

3 de novembro de 2021

Por Nelson Wilians*

Artigo publicado originalmente na Folha

O termo cunhado pelo escritor Neal Stephenson para seu romance de ficção científica de 1992, Snow Crash, está em toda parte. Mark Zuckerberg (o dono do Facebook) descreve o seu metaverso como um ambiente virtual no qual você pode entrar, em vez de apenas olhar em uma tela.

“É um mundo de comunidades interconectadas e infinitas”, dizem os especialistas. É a próxima evolução da conectividade, onde as coisas começam a se reunir em um universo contínuo e as pessoas passam a viver a sua vida virtual da mesma forma que a física.

É de arrepiar, não é?! Mas Zuckerberg que se cuide.

Porque os Zuckerbergs do Poder Executivo brasileiro entendem muito de realidade virtual e acabam de aperfeiçoar um novo metaverso político-eleitoral, para, com a quebra de um dispositivo constitucional, capturar a imaginação e obter uma virtual realidade aumentada para a próxima eleição.

“Temos a responsabilidade de fazer com que esses recursos saiam de dentro do orçamento”, disse o presidente Bolsonaro, horas antes de chutar o pau do teto fiscal que limita o crescimento das despesas públicas, para garantir a implementação do Auxílio Brasil.

A verdade é que temos muitas regras fiscais e ao mesmo tempo todas elas podem ser descumpridas no metaverso político-eleitoral, de acordo com os interesses do político de plantão.

Não há dúvida da necessidade de se criar espaço fiscal para possibilitar a ampliação de renda aos mais vulneráveis, sobretudo nesse período de redução do rendimento das famílias brasileiras com a pandemia.

Mas quem irá receber o Auxílio Brasil vai precisar mesmo de fones de ouvido e óculos de realidade virtual para sentir no bolso o efeito da peripécia fiscal, com o impacto da inflação, juros em elevação e mais gastos públicos.

Com o decorrer do tempo, será mais fácil enxergar o buraco no teto fiscal do que sentir o aumento do valor do auxílio social, que substituirá o Bolsa Família.

A inflação decretará impiedosamente às famílias do auxílio “ter poucas necessidades”.

Vale lembrar uma citação repetida diversas vezes pelo atual presidente americano Joe Biden, ao longo de sua trajetória política: “Não me diga o que você valoriza, mostre-me seu orçamento e eu direi o que você valoriza”.

De fato, não existe método mais eficaz do que examinar os seus próprios hábitos de gasto. Em vez de cortar despesas com emendas parlamentares e subsídios, a decisão do governo valorizou manter todos esses gastos e gastar além do teto, enfraquecendo a principal âncora fiscal do país.

A mudança estrutural de regime, porém, não garante ao governo uma imagem menos corroída nas próximas eleições. Ao contrário, gera desconfiança interna e externa, desgasta a estrutura do controle fiscal e deve provocar a elevação dos preços e, consequentemente, aumentar o drama social.

Esse é o metaverso político-eleitoral em que se quer, através de um dispositivo virtual, obter uma realidade da qual não é possível se desconectar.

Vale lembrar uma frase polêmica de Nelson Rodrigues: “O dinheiro compra tudo, até amor verdadeiro”. Mas esse dinheiro tem de ter valor e poder de compra.

*Nelson Wilians é empreendedor e advogado

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