Por Lívia Bíscaro Carvalho*
Artigo publicado originalmente na ConJur
Há muito se debate o posicionamento dos tribunais em relação ao conceito de “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios”, disposto no artigo 20 da Constituição Federal, ao descrever o rol de bens pertencentes à União.
Com a Carta Magna atual, surgiu a discussão de um marco temporal para diferenciar o conceito de imemorial de tradicional, ou seja, a presença, o habitat e a subsistência naquele momento da identificação de aldeamentos indígenas.
Algumas diretrizes são também de suma importância, embora já decidido que não vinculam juízes e tribunais em outros casos que não no julgamento que definiu sobre a reserva indígena Raposa Serra do Sol, no qual foram descritas 19 ressalvas, e entre elas a salvaguarda institucional n° 17, que veda a ampliação da terra indígena.
Na mesma linha é a Súmula 650 do Supremo Tribunal Federal, que exclui aldeamentos extintos ou ocupados por índios em passado remoto. Porém, duas são as teorias que divergem a jurisprudência. Na linha da teoria do indigenato, os direitos dos índios independem de demarcação por se tratar de direitos históricos e originários.
Por sua vez, a teoria do fato indígena sustenta que os povos indígenas só teriam direito às terras que estivessem ocupando no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
No julgamento do RE nº 1.017.365, no âmbito do Tema nº 1.031 em regime de “repercussão geral”, a questão vem sendo discutida com a ressalva do ministro relator de que se trata de relação possessória e de uso de terras. No seu entender, os direitos do artigo 231 da Constituição Federal são fundamentais e a demarcação é declaratória e não constitutiva da terra indígena.
Porém, a ocupação e todos os demais requisitos contidos no parágrafo 1° do artigo 231 são fatos importantes a serem verificados, tais como exploração, preservação ambiental, reprodução física e cultural. Por isso, em defesa da teoria do fato indígena tem-se que os limites definidos que devem ser considerados são aqueles que refletem a situação que se apresenta em 5 de outubro de 1988, por questão de segurança jurídica para fins de critério de demarcação e ampliação.
Não se trata aqui de desrespeitar ou ameaçar os direitos indígenas. Porém, não havendo a exploração e a presença física na data do marco temporal, não parece razoável retirar de particulares o direito à área até então ocupada e muitas vezes titulada.
Isso porque não são raros os casos em que o particular adquire o imóvel e depois tem o título anulado, lhe sendo retirada qualquer indenização pela posse sob a justificativa de se tratar de terra indígena, quando na prática sequer há índios no local.
Daí a importância de se reconhecer o marco temporal, cujo julgamento está pendente no Supremo Tribunal Federal com placar de 1 a 1 e pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes.
Lívia Bíscaro Carvalho é advogada coordenadora da área cível no escritório Diamantino Advogados Associados.