Opinião

Além da (in)constitucionalidade do artigo ‘ostentação’

Competência profissional não pode ser nivelada à força

28 de setembro de 2021

Por Nelson Wilians*

Artigo publicado originalmente na ConJur

Seria soberba achar que a OAB produziu um artigo direcionado exclusivamente a mim, o 6º do Provimento 205/2021.

Explico. Há poucos dias ganhou notoriedade um artigo do Provimento Nº 205/2021 do Conselho Federal da OAB (CFOAB) que disciplina, em síntese, a publicidade e o marketing jurídico.

Não vou debater aqui tal regramento, que gerou indisfarçáveis frustrações na classe, que aguardava a modernização das regras e a necessária adaptação aos tempos atuais.

Além de pecar pela timidez, o aludido provimento restringiu ainda mais a atuação dos causídicos nas redes sociais, ao avançar sobre a autonomia pessoal destes em suas redes privadas.

Sob o pretexto de se obstar suposta captação de clientela, vedou-se “em qualquer publicidade a ostentação de bens relativos ao exercício ou não da profissão, uso de veículos, viagens, hospedagens e bens de consumo, bem como a menção à promessa de resultados ou à utilização de casos concretos para oferta de atuação profissional” (artigo 6º, §único).

Além de trafegar na contramão da era digital, o artigo, em tese, afronta direitos e garantias fundamentais, verdadeiras cláusulas pétreas de nossa Constituição, como a liberdade de manifestação do pensamento (artigo 5º, inciso IV), a liberdade de comunicação, independentemente de censura ou licença (artigo 5º, inciso IX; artigo 220, caput e §2º), e, sobretudo, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada (artigo 5º, inciso X).

Vale relembrar que o artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) determina que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.

O Conselho Federal possui competência para editar provimentos (EOAB, artigo 54, inciso V), porém, tais devem se restringir a regulamentar as disposições previstas, in casu, no citado Código de Ética e Disciplina, sem desbordar de seus preceitos e, sobretudo, sem “inovar” no mundo jurídico, em especial trazendo pretensas limitações flagrantemente inconstitucionais.

Por “n” motivos, enfim, o malfadado provimento está sob ataque. Contudo, gostaria de trazer à reflexão alguns pontos que expõem a subjetividade dessa discussão.

Quando o profissional aparece em uma imagem de terno bem cortado, caro, feito de tecido importado em uma alfaiataria exclusiva, isso não parece afrontar a moral e a ética profissional. Da mesma forma quando as advogadas surgem em seus tailleurs e com suas bolsas de grifes que custam milhares de dólares. Para ambos os casos se oferecem diversos adjetivos e substantivos: gosto refinado, sofisticação, requinte… Pode ser tudo, menos ostentação. Isso não é problema para mim.

Por outro ângulo, porém, se o advogado mostra em suas redes perrengues e penúria não se perde tempo em se redigir um provimento para abolir a imagem de derrotado.

Costumo dizer em minhas palestras que, para contar vantagens, não demoro mais do que três minutos. Mas se é para falar dos meus tombos na vida, levo pelo menos três dias.

A ostentação por si só é uma tolice. Mas a competência profissional não pode ser nivelada à força. Existem diferenças entre profissionais em todas as ocupações. O sucesso é o resultado da competência sob todos os aspectos.

Esse é o mundo liberal em que vivemos: o sucesso agride os invejosos e inspira aqueles que querem almejá-lo, principalmente os jovens em início de carreira. Que a forma como me apresento em minhas redes sociais não insulte, mas que sirva de inspiração.

Nasci numa família humilde de pequenos agricultores semianalfabetos. Falo isso aos quatro cantos. Mas, a esta altura da minha vida, não fingirei ser parte de uma realidade que não me representa mais. Isso não é justo com a minha história, com aqueles que conhecem a minha ascensão e com a minha profissão.

A coação disfarçada pela busca de uma imagem homogênea, quando a realidade tem inúmeras nuances, é hipocrisia.

Que eu seja genuíno para ostentar a minha paixão e alegria pela advocacia e aquilo que ela me deu — com muito orgulho — resultado de muito suor, planejamento e profissionalismo.

E que a OAB, sinceramente, prontamente corrija esse verdadeiro lapso.

Nelson Wilians é empreendedor, advogado, fundador e presidente do Nelson Wilians Advogados.

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