Opinião

Ministério do Trabalho, uma pasta que jamais deveria ter sido extinta

Mudaram as convicções e ideais de quando se deu o seu rebaixamento, em janeiro de 2019?

Por Alberto de Carvalho*

Artigo publicado originalmente no Estadão

O projeto político vencedor nas urnas na última eleição presidencial tinha uma marca do que se convencionou chamar de “liberal”, levando o pêndulo dos direitos para o lado da iniciativa privada. Um de seus reflexos foi a extinção do Ministério do Trabalho, em parte justificada por denúncias de supostos ilícitos — inclusive na área da organização sindical —, tornando o antigo órgão um mero apêndice do “superministério” da Economia, regido pela valorização do empreendedorismo. Isso levou à consequente retirada de poderes e controle da antiga estrutura, que seria extinta por meio da MP nº 870, de 1º de janeiro de 2019.

O projeto também via a eliminação da pasta sob a ótica do enxugamento da máquina administrativa federal, objetivo sempre defendido pelo grupo eleito. Assim, não trouxe qualquer estranheza a extinção do Ministério do Trabalho, uma vez que ela concretizou as ideias e convicções de um projeto político.

Como ambiente próprio do planejamento e execução das políticas para as relações de trabalho, a Secretaria Especial do Trabalho e Previdência Social esteve, nestes 30 meses, sob a batuta do Ministério da Economia e teve a tarefa de gerir os efeitos da pandemia sobre as relações de trabalho e o número recorde de desempregados atingido, conforme atestam as recentes pesquisas divulgadas pelo IBGE.

Era esperada uma reordenação de regulamentos internos, proposição de alterações legislativas e mesmo assessoramento do governo federal nas reformas e práticas políticas que pretendia implementar. Mas ao tender para um extremo — a livre inciativa — sem considerar o outro lado — o direito do trabalho —, o pêndulo dos direitos sai do compasso.

A livre iniciativa, assim como a proteção ao trabalho como valor social, não sem razão se encontra entre os fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV, da Constituição Federal de 1988), e, sem qualquer hierarquia entre ambos, como definido pelo Poder Constituinte Originário. Devem ser igualmente alimentados, desenvolvidos, até porque apenas no regime de livre iniciativa é possível o direito do trabalho como o concebemos. Nenhum deles sobrevive com o sacrifício do outro. Ambos, pari passu, devem cumprir seu papel no sentido de elevar o patamar civilizatório ligado ao labor, assim como permitir aos que empreendem que se sintam incentivados e seguros na sua atividade. E, sem risco de violação ao princípio da vedação ao retrocesso social, tais medidas apenas são implementadas por políticas que garantam o equilíbrio entre ambos os valores fundantes da República mencionados.

Não foi sem razão que Alain Supiot falou do papel civilizatório das relações sociais que possui o Direito do Trabalho. Assim, é de todo desejável qualquer movimento no sentido de emprestar maior valor e importância ao trabalhador, seja para a atividade produtiva em si e para a consequente implementação do consumo, seja para a própria fiscalização e controle das atividades laborativas em território nacional, ainda mais no ápice da gravíssima crise sanitária e de desemprego que assola o país. Não há dúvidas de que um Ministério do Trabalho forte e organizado acarreta maior equilíbrio de direitos de empregados e empregadores; em contrapartida, a sua ausência gera retrocesso, pois sempre foi da essência dessa Pasta atuar como agente fiscalizador e garantidor dos direitos dos trabalhadores, conquistados ao logo dos anos.

O que traz agora estupefação é o fato de ser recriado o Ministério, com seu antigo status, com todos os seus cargos e todas as negociações que são esperadas da abertura de nova pasta, junto aos grupos parlamentares da base, sendo retirado do “superministério” acima mencionado logo no pior momento das relações de trabalho e emprego dos últimos anos. Mudaram as convicções e ideais de quando se deu o seu rebaixamento, em janeiro de 2019? Não há mais as irregularidades ali flagradas e o valor social do trabalho passou a ser bem-quisto pelo Poder Executivo Federal? Talvez só a História responda.

*Alberto de Carvalho, especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório Fragata e Antunes Advogados

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