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Prisão em CPI foi abusiva, dizem advogados

Ex-diretor do Ministério da Saúde foi acusado de mentir em depoimento

9 de julho de 2021

Waldemir Barreto/Agência Senado

O senador Omar Aziz deu ordem de prisão a Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, durante depoimento, quarta-feira (7), na CPI da Covid-19. Dias foi acusado pelo senador de ter mentido. Ele foi detido pela Polícia do Senado, mas acabou solto após pagamento de fiança.

Advogados ouvidos pela ConJur consideraram a medida abusiva e desproporcional.

O criminalista Daniel Bialski, membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e sócio de Bialski Advogados, entende que a CPI não pode querer, ao mesmo tempo, investigar, processar e punir. “Não é essa finalidade precípua dela. Seu objetivo é apurar fatos e determinar que as autoridades competentes tomem as medidas cabíveis.”

Ele defende que é necessário revisitar e modificar a forma de procedimento da CPI, especialmente, no que se refere à possibilidade de atuação dos advogados. “Muitas vezes, eles não podem se manifestar e os seus clientes acabam, infelizmente, sendo ameaçados de prisão. De forma temerária e até indevida, muitas das vezes, eles não podem sequer argumentar juridicamente sobre a ilegalidade destas postulações. Isso afronta não somente o artigo 133 da Constituição Federal, mas especialmente os direitos e prerrogativas da atividade profissional.”

Ele acredita que, no futuro, o STF vai reconhecer que esta é uma prisão nula e que não se sustenta juridicamente. “A prisão tem um cunho muito mais político do que jurídico”, aponta. “O STF já reconheceu que a pessoa que vai depor e se autodefende não comete o crime de falso testemunho. No caso, não houve tempo hábil sequer para que este depoente acionasse o Supremo para lhe dar o direito de se calar sobre eventuais questionamentos que pudessem vir a incriminá-lo.”

Joaquim Pedro de Medeiros Rodrigues, sócio-fundador do Pisco & Rodrigues Advogados Associados, concorda que a prisão foi uma medida excessiva e desproporcional. “O crime de falso testemunho é aquele em que a testemunha faz afirmação falsa ou omite a verdade. Ele é verificado de modo objetivo: se há contradição entre depoimentos de testemunhas, não há que se falar em prisão em flagrante, pois não é possível identificar, de pronto, quem está falando a verdade.”

“Destaco, ainda, que, mesmo que a pessoa seja testemunha, se ela estiver depondo sobre fatos que podem incriminá-la, não pode ser obrigada a dizer a verdade. A princípio, portanto, por essas duas razões, pareceu-me desproporcional a prisão em flagrante de Roberto Dias”, ponderou.

Daniel Gerber, advogado da área penal com foco em gestão de crises político e empresarial, afirma que a CPI, por sua natureza, é “palco para debates políticos que extrapolam todas e quaisquer regras jurídicas que sirvam para a proteção individual daqueles que a ela se submete como investigado ou testemunha”.

“No caso específico da CPI da Covid, o elemento político fica ainda mais evidente diante do separatismo ideológico que estamos atravessando em nível global. Como exemplo, a prisão arbitrária de um depoente que era claramente investigado por suas ações, ou esvaziamento de plenário em momentos onde a prova coletada não estava em consonância com interesses daqueles que comandam o espetáculo. Enfim, estamos diante de um circo político que, a toda evidência, não se sustenta se dissecada sob as regras jurídicas vigentes e necessárias para uma investigação que se pretenda séria e efetiva.”

Para João Vinicius Manssur, advogado especialista em direito penal econômico, é “evidente” que a prisão de Roberto Dias teve como objetivo constranger e demonstrar o punitivismo que ronda a CPI.

“Melhor solução seria, em caso de suspeita de prática do delito mencionado, o encaminhamento de peças pertinentes ao Ministério Público, titular da ação penal, de acordo com a Constituição Federal, para eventuais providências, à vista do caso concreto. A prisão de Roberto Dias está em total descompasso com o direito processual moderno, que coloca como medida excepcionalíssima a restrição da liberdade do agente.”

“Além disso, a negativa à resposta não pode implicar medidas coercitivas, por constituir direito previsto na Constituição Federal e se tratar de consectário lógico da garantia, também constitucional, do direito à não incriminação. A conduta desenvolvida na sessão telada ofende, sob vários aspectos, o regramento processual vigente, que caminha, de forma indissociável, com a Constituição Federal.”

André Damiani, criminalista especializado em Direito Penal Econômico, sócio fundador do Damiani Sociedade de Advogados, explica que a expedição de mandato de prisão pela CPI precisa de autorização judicial. “A CPI tem poderes próprios das autoridades judiciais, como menciona o parágrafo 3º do artigo 58 da Constituição federal para notificar testemunhas, determinar a condução coercitiva de testemunhas, determinar a realização de exames, perícias e vistorias.”

“De outra banda, a CPI sempre precisará de autorização judicial, não podendo agir por conta própria, na expedição de mandado de prisão preventiva ou temporária”, esclarece. “Também é obrigatória a ordem judicial na expedição de mandado de interceptação telefônica, mandado de busca e apreensão, apreensão de passaporte e outras constrições judiciais da mesma natureza.”

Diego Henrique, criminalista e sócio do Damiani Sociedade de Advogados, destaca que, apesar de o presidente da CPI ter poderes inerentes às autoridades investigativas, inclusive para decretar a prisão em flagrante, esse poder não é ilimitado. “Tais prerrogativas devem ser sempre exercidas observados os direitos e garantias fundamentais de todo e qualquer cidadão”, ressalva.

“Nessa medida, a prisão é flagrantemente ilegal uma vez que a Constituição de 1988 garante a todos o direito de não autoincriminação, como corolário do próprio direito ao silêncio. Assim, independentemente da nomenclatura (testemunha, depoente etc.) que inicialmente se atribui a quem presta depoimento perante a autoridade investigadora, uma vez constatada a real posição de investigado daquele cidadão, a ele está garantida a possibilidade de calar, não colaborar, e, inclusive, mentir, sem que incorra na prática do delito de falso testemunho.”

Adib Abdouni, advogado criminalista e constitucionalista, também acredita que a atuação dos integrantes da CPI não pode ser confundida com “punitivismo”. Para ele, “esse conceito jurídico deve ser reservado ao endurecimento penal como medida de vingança ou de antecipação de pena, sendo evidente que a CPI não possui poderes ou atribuições constitucionais para punir quem quer que seja”.

Abdouni destaca que, na condição de testemunha e não de investigado, sob palavra de honra e promessa de dizer a verdade, alguém que omita fatos e informações “com sistemática índole de contradição de versões acerca dos acontecimentos de que tem conhecimento e que são objeto da investigação” incorre no “figurino típico de falso testemunho previsto no artigo 4º, II a Lei 1.579/52 que dispõe sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito, assim como no artigo 342 do Código Penal”.

“Do contrário, a ausência de justa reprimenda a comportamentos intoleráveis como esses acabarão por contribuir para desmoralizar os relevantes trabalhos desenvolvidos pela CPI, dotada de poderes de investigação típicas das autoridades judicantes, na defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais, com o fito de que a apuração final possa responsabilizar de forma pessoal os agentes políticos e servidores públicos que incorreram em inescusável inércia do dever de agir para evitar o recrudescimento da pandemia no Brasil”, afirma.

Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

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