Por Nelson Wilians*
Artigo publicado originalmente na Folha
“Eu vejo o futuro repetir o passado”
(Cazuza – “O Tempo não para”)
No presente mês de junho, noticiou a Agência Nacional de Águas (ANA) que a falta de chuvas nos reservatórios hidrelétricos gerou grave crise hídrica em ao menos cinco Estados: Minas Gerais, Paraná, Goiás, Mato Grosso do Sul e São Paulo.
De forma paralela, o tardio avanço do (desastroso) “Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19” aponta para (possível) novel problema: o crescimento da economia – estagnada pela pandemia e, sobretudo, pela inércia governamental diante da maior crise humanitária e de saúde da história recente – implicará aumento do consumo de energia elétrica, cuja capacidade de geração, por óbvio, será afetada pela situação crítica de escassez hídrica.
Curioso paradoxo: o aquecimento, previsto pelo Ministério da Economia para o segundo semestre de 2021, poderá ser afetado pelo primeiro (e antigo) problema, o da incompetência estatal no gerenciamento hidrelétrico, servindo como “âncora” e restringindo o tão esperado crescimento.
Nesse contexto, ainda que tenha havido posterior tentativa de temperamento do discurso, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, sinalizou com a adoção de eventual “Programa de racionalização compulsória do consumo de energia elétrica”, transferindo para a cadeia produtiva e para os consumidores em geral a conta de mais uma inépcia governamental.
O pacote da União Federal incluiria, ainda, uma Medida Provisória de “Governança da Crise Hídrica” (a “MP do Racionamento”) objetivando-se o racionamento de energia para se evitar eventual (e iminente) apagão, além de aumento no preço.
Como se não bastasse, em uma emenda pior que o soneto (capaz de corar o saudoso poeta português Bocage), teve quem chamou o racionamento de “período educativo”, como se a sociedade demandasse correção, e não os gestores públicos, notórios perpetuadores da incompetência na prestação de serviços e itens essenciais.
E não há que se acenar com suposta imprevisibilidade, invocando-se o que seria a maior escassez de chuvas dos últimos 90 anos. Ora, o avanço da ciência e da tecnologia, em especial da meteorologia, impede que se busque abrigo nesta inexistente e inaceitável “imprevisão”.
Na verdade, não há nada mais previsível do que a própria (im)previsibilidade do setor – é o futuro repetindo o passado, como cantava para a posteridade Cazuza –, desde o racionamento/apagão ocorrido em 2001, passando pela “super gestora” Dilma Rousseff, ministra de Minas e Energia de 2003 a 2005 (inclusive com a criação do programa “Luz para Todos”, pasmem!), e culminando com a aprovação da Medida Provisória que autoriza a privatização da Eletrobras, em claro reconhecimento da incapacidade estatal para gerir o campo em debate.
Não se olvide, ademais, das fontes outras de energia – eólica, solar, biogás, gás natural etc. –, historicamente ignoradas pelas autoridades públicas brasileiras, em franco (e lamentável) descompasso com o desenvolvimento global e com as melhores e mais modernas práticas ambientais.
Infelizmente, o racionamento de competência imporá à sociedade brasileira mais uma restrição ao vital item energia elétrica, não bastasse o racionamento de condições para o exercício da atividade econômica e, em última instância, para uma existência digna de nossos cidadãos.
Vamos pagar mais essa conta?
*Empreendedor, advogado, fundador e presidente do Nelson Wilians Advogados