Não é abusiva a cláusula do contrato de cartão de crédito que autoriza a operadora/financeira, em caso de inadimplemento, debitar na conta corrente do titular o pagamento do valor mínimo da fatura, ainda que contestadas as despesas lançadas.
Esse foi o entendimento da 4ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que julgou controvérsia originada em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro contra o Banco Santander. O MP pediu a nulidade de cláusulas do contrato de emissão de cartão de crédito da instituição, relativamente ao desconto automático em conta-corrente de valor equivalente ao pagamento mínimo de fatura mensal em atraso.
Advogados ouvidos pelo LexLatin comentaram a decisão. Para Laura de Almeida Machado, sócia de Chenut Oliveira Santiago Advogados e advogada especialista em contencioso cível empresarial e consumerista, a jurisprudência sobre o tema não é pacificada, mas muitos tribunais entendiam pela abusividade da cláusula e determinavam que a instituição financeira procedesse à devolução em dobro do valor descontado.
Em outras situações, os tribunais entendiam pela necessidade de estorno da quantia debitada e dos encargos contratuais, especialmente quando não havia saldo disponível na conta corrente e o cliente acabava entrando no cheque especial diante do débito realizado pela instituição financeira.
“A recente decisão do STJ é válida apenas para as partes do processo em questão e ainda é passível de recurso. Todavia, certamente será utilizada pelas instituições financeiras para defender a legalidade da cláusula. Ressalte-se, ainda, que esta decisão vai ao encontro do entendimento do Banco Central, que desde 2010 legitimou a prática do pagamento mínimo, com o intuito de incentivar o uso racional do cartão de crédito”, afirmou.
Wilson Sales Belchior, sócio do RMS Advogados e conselheiro federal da OAB, avaliou como positiva a compreensão do STJ de que é “inviável falar na necessidade de devolução (em dobro)” quando a operação estiver expressamente autorizada pelas cláusulas contratuais.
“Conferiu-se efetividade à competência regulamentar do Banco Central e aos princípios da autonomia da vontade e da segurança jurídica, considerando os atos normativos que já reconheciam a validade do pagamento mínimo da fatura como uma opção do titular. A decisão do STJ impacta positivamente o mercado de crédito ao reconhecer que o débito do valor mínimo é ‘uma espécie de garantia à continuidade’ do contrato de cartão de crédito, não podendo ser considerado como abusivo”, afirmou.
Assim, o Tribunal entendeu que a cláusula não é abusiva, já que tal ajuste não ofenderia o princípio da autonomia da vontade, que norteia a liberdade de contratar. Segundo o STJ, também não viola o equilíbrio contratual ou a boa-fé, por constituir mero expediente para facilitar a satisfação do crédito com a manutenção da contratualidade havida entre as partes.
Já Amanda Oliveira Falcão, advogada do Diamantino Advogados Associados, discorda do acordão em relação à autonomia de vontade do consumidor.
“Acredito ser questionável sim a sua violação, pois impõe uma obrigação ao cliente a efetuar o pagamento do valor mínimo. No que tange ao equilíbrio contratual e a boa-fé, concordo com a decisão de primeiro grau do TJ Paulista, entendo que a prática coloca o consumidor em desvantagem, em situação incompatível com a boa-fé e a equidade, vez que o pagamento mínimo pode se tornar excessivamente oneroso ao consumidor, ainda mais no atual momento econômico que estamos vivendo. A partir desse entendimento do STJ acredito que o valor mínimo deixa de ser uma opção e passa a ser uma obrigatoriedade, assim totalmente incompatível com o artigo 51, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor”, explica.