Por Arnoldo Wald*
Artigo publicado originalmente no Valor
Criação brasileira, o mandado de segurança tem a proeza de ser tão clássico quanto atual. Completos 85 anos de sua primeira previsão legislativa, a Lei nº 191, de 16 de janeiro de 1936, essa garantia constitucional reúne predicados que nosso legislador tanto quis valorizar por meio do Código de Processo Civil (CPC), de 2015, e da Lei nº 12.019, de 2009.
Recentemente a sua importância foi reafirmada no Mandado de Segurança impetrado no Supremo Tribunal Federal (STF) para obrigar a instalação da CPI da Covid, que foi concedido por ampla maioria e a sua constitucionalidade acaba de ser reconhecida, ampliando-se até os casos e forma de concessão da medida liminar (Adin n° 4296).
Ao final do século XIX e início do século XX, Rui Barbosa deu início à criação da chamada “doutrina brasileira do habeas corpus”, ampliando o espectro de atuação daquele que era, até então, o único instrumento processual capaz de impedir abusos cometidos pelo Estado contra a liberdade individual. Passou-se, assim, a utilizar o habeas corpus também para o fim de proteger outros direitos individuais.
O alargamento foi tão amplo que, para evitar a desnaturação do habeas corpus, criou-se o mandado de segurança destinado à proteção dos demais direitos.
À exceção da Constituição de 1937, todas as demais conferiram status constitucional ao mandado de segurança e as legislações que se sucederam buscaram aprimorar o procedimento até que a atual, a Lei 12.019, consolidou em um só documento as normas que, haviam se espalhado em diversos diplomas legais, entendimentos jurisprudenciais e pacificou discussões doutrinárias.
A despeito do longo tempo decorrido desde sua criação, não perdeu suas vigas mestras e permanece voltado à proteção do chamado “direito líquido e certo”, não protegido por habeas corpus ou habeas data, sempre que houver ameaça ou violação por autoridade pública ou por quem lhe fizer as vezes.
Embora inexista controvérsia entre os estudiosos, a locução “direito líquido e certo” ainda é capaz de gerar confusões nefastas e, não raras vezes, é utilizado para o esvaziamento de tão importante mecanismo de proteção contra os poderes do Estado. Desde o nascedouro, a clássica expressão, significa apenas que o mandado de segurança tem como pressuposto a prova pré-constituída, ou seja, que é destinado ao processamento e julgamento de demandas em que não seja necessário produzir prova.
A necessidade de que o convencimento do magistrado se forme a partir de documentos já existentes e trazidos com a petição inicial ou pela autoridade coatora e até por fatos notórios e públicos, confere ao mandado de segurança um rito expedito, condizente com a urgência com que é preciso proteger os direitos e liberdades do cidadão contra abusos das autoridades.
Não se pode negar que o rito do mandado de segurança se mostra bastante adequado ao fim a que se destina. A inexistência de atos processuais desnecessários revela a intenção de se ter eficiência, levando a um julgamento mais célere; com respeito ao contraditório, pois promove a oitiva da autoridade coatora e de todas as pessoas que possam ser impactadas pela sentença.
Da imensa gama de possíveis provimentos se percebe a efetividade com que o instrumento é capaz de defender, no plano material, os direitos dos cidadãos. Portanto, valores firmemente perseguidos quando da elaboração do Código de Processo Civil de 2015 e da Constituição Federal de 1988 com suas emendas, já se viam devidamente observados e atendidos por um instrumento quase centenário.
Como última salvaguarda nas hipóteses em que a legislação processual não prevê recurso específico, o mandado de segurança é admitido para combater ato judicial, mas é principalmente contra atos praticados no seio dos outros dois Poderes que tem externado sua verdadeira importância, especialmente quando o regime democrático não é respeitado.
Controvérsias como a da infidelidade partidária, atrasos de pagamento de pensão devida a anistiado político, nomeação de ministro realizada para obtenção de prerrogativa de foro, retenções de duodécimos que o Executivo tem de repassar ao Legislativo, compensações tributárias, violações ao devido processo legislativo e até mesmo abusos de um ente estatal frente a outro, mostram quão variadas foram as questões dotadas de relevância e atualidade pacificadas por meio dessa garantia constitucional tipicamente brasileira.
A brevidade de seu rito é inversamente proporcional à potência de que é dotado: quanto antes se tiver a solução, melhor poderá ser a prevenção ou a correção dos danos. A subsidiariedade de sua aplicação, que exclui de sua abrangência apenas às questões tipicamente solucionadas por habeas corpus ou habeas data, mostra o amplo leque de casos que podem ser por ele solucionados pela ação constitucional.
A busca por instrumentos democráticos, eficientes para a solução de um sem-número de controvérsias atuais pode e deve ser concluída com êxito com a ampla aplicação do nosso mandado de segurança e a interpretação do Supremo Tribunal Federal.
*Arnoldo Wald é professor catedrático de Direito Civil da UERJ, doutor honoris causa da Universidade de Paris II e do IDP.