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Precisamos quebrar paradigmas na advocacia

Todos os advogados, querendo ou não, desde a faculdade, são uma marca

30 de abril de 2021

Por Bruno Pedro Bom e Nelson Wilians*

Artigo publicado originalmente no Estadão

Paradigma é um conceito das ciências e da epistemologia que define um exemplo típico ou modelo de algo. É a representação de um padrão a ser seguido subsidiado por axiomas históricos, culturais e comportamentais. Paradigmas são um conjunto de hábitos que adotamos diariamente muitas vezes sem ter ciência do porquê.

Imaginemos um bebê quando nasce: ele vem ao mundo “zerado” de informações, contudo ao longo da vida, ele cresce e é impactado pela cultura familiar, a religião que introduzida, a cultura do país, os valores morais e éticos familiares, etc.

Podemos utilizar a metáfora da caixa para representarmos imageticamente a conceituação do paradigma. Imaginemos uma pessoa dentro de uma grande caixa (a caixa paradigmática) e cada parede desta caixa é um paradigma, impedindo esta pessoa de viver fora da caixa, de “pensar fora da caixa”. Paradigmas são paredes limitadoras de pensamento e de inovação.

As informações que nos são acumuladas ao longo da nossa trajetória, são informações transmitidas por gerações ancestrais. Obviamente, os momentos históricos que somos imersos determinam uma modelagem de novos paradigmas com características únicas em cada geração. Uma geração nascida na II Guerra Mundial absolutamente, diverge em relação aos paradigmas de paz e segurança comparados a uma geração nascida em um período de paz. Uma geração nascida em uma realidade pandêmica, definitivamente pensa diferente no componente saúde pública em comparação a uma geração nascida num cenário saudável.

Outro componente determinante dos paradigmas: o meio social, a comunidade que vivemos. Um cidadão ribeirinho que não têm o mesmo acesso à informação e novas tecnologias em relação a um cidadão paulistano, apresentando assim, paradigmas e medos divergentes pelo contexto sócio cultural. O país que nascemos também nos determinam paradigmas. Os preceitos da cultura brasileira são nitidamente diferentes da cultura japonesa. A forma que as pessoas se relacionam, consomem, trabalham e se alimentam é outra. Todos as pessoas, independentes do contexto macrossocial e cultural vigente, sem exceção, são moldadas e limitadas pelos paradigmas.

E no Direito, como os profissionais são impactados pelos paradigmas?

A sociedade e a comunicação global mudaram, assim como a forma que as pessoas buscam e absorvem conteúdo para se sentirem seguras em sua tomada de decisão. Notam-se ainda profundas mudanças no modo como nos relacionamos com outras pessoas, como gerimos problemas, como trabalhamos e até como aprendemos.

O modo como se opera o Direito também mudou e o mercado exige um novo perfil de profissional jurídico, atribuído de novas funções em meio a tantas transformações impulsionadas pelo desenvolvimento de novos negócios, novas tecnologias e novos formatos de consumo de informação provenientes da digitalização acelerada (e coercitiva) na era pós-Covid 19.

Para os operadores do Direito serem e manterem-se relevantes na nova conjuntura contemporânea, é fundamental o questionamento por meio do pensamento crítico e a “quebra” da caixa paradigmática do modelo de negócio jurídico obsoleto. Romper estes paradigmas pode parecer desconfortável, desafiador e carregado de resistência, mas é vital para que certas mudanças possam melhorar aspectos essenciais de nossas vidas, como o exercício pleno da nossa profissão nivelada com as transformações sociais e corporativas vigentes. Segundo Sêneca (4 a. C. – 65) filósofo, escritor e político romano: “O destino conduz o que consente e arrasta o que resiste.”

O livro “Picos e Vales, de Spencer Johnson, retrata de forma didática e assertiva a necessidade existencial de quebrarmos os limites e paradigmas, nos estimula na reflexão de irmos além no que acreditamos que somos capazes em todas as esferas de nossas atuações, sejam elas pessoas ou profissionais.

Quando falamos de paradigmas na advocacia, podemos pensar e refletir em uma série de comportamentos e tradições ultrapassadas. O ensino jurídico no Brasil iniciou-se com a criação das escolas de direito de Olinda e de São Paulo, em 1827, com a promulgação da Lei de 11 de agosto de 1827. Portanto, são aproximadamente 200 anos de construção de paradigmas que hoje, não são mais adequados e coerentes no desenvolvimento dos profissionais jurídicos.

O primeiro paradigma: a adequação na formação universitária para os operadores do Direito estarem aptos frente à nova dinâmica de negócio. Segundo Darwin, “não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças”. As faculdades de Direito precisam se conscientizar que, para manter-se relevante, o advogado precisa ser holístico, e isso demanda disciplina e diálogo com outras ciências. Afinal, como formar profissionais com um novo perfil ensinando as mesmas disciplinas e incentivando as mesmas habilidades?

Para sobreviver e progredir em um contexto cada vez mais dinâmico, os operadores do Direito precisam de flexibilidade mental e grande inteligência emocional. Terão inevitavelmente de abrir mão daquilo que sabem melhor (a visão míope tecnicista) e adaptarem-se ao que não sabem fazer, estimulando novas habilidades. Afinal, novos tempos demandam novas competências!

Infelizmente, ensinar jovens advogados a abraçar o desconhecido e manter seu equilíbrio mental é muito mais complexo e desafiador do que ensinar princípios do Direito Civil. Eles não serão capazes de desenvolver resiliência lendo um livro ou meramente assistindo a uma aula. Aos próprios professores, muitas vezes advogados tradicionalistas, falta a flexibilidade mental que o século 21 exige, pois eles mesmos são produtos do obsoleto sistema jurídico tradicionalista e retrógrado.

Em uma brilhante passagem, o escritor e futurista Alvim Tofler nos provoca: “o analfabeto do século XXI não será aquele que não consegue ler e escrever, mas aquele que não consegue aprender, desaprender e reaprender”.  As Faculdade de Direito devem conscientizar-se em “alfabetizar” os estudantes sob a nova égide da semântica social e corporativa.

O segundo paradigma: o excesso de leis e principalmente, a legislação antiquada e não compatível com o exercício da advocacia no cenário vigente, em especial a que norteia a profissão jurídica. O Código de Ética e Disciplina da OAB, embora realize certos movimentos, não é compatível com a agressividade empresarial brasileira. O excesso de restrições, quase que limitadoras, atam os operadores do Direito no seu desenvolvimento e na construção de relevância no novo e digital cenário corporativo, restringindo a publicidade e competitividade dos advogados em comparação a outros profissionais prestadores de serviços. Segundo Tácito, grande historiador e senador romano: “Quanto mais corrupto o Estado, maior o número de leis”. O conceito de corrupção ou corrompimento, em sentido lato, corresponde à ideia de decomposição – a vigência de um código de conduta quase que obsoleto, decompõe e retarda a profissionalização e desenvolvimento de um setor potencialmente promissor.

Temos hoje uma problemática pulsante em virtude desse sistema retrógado. É o caso dos bacharéis de direito a partir de 2020 que em virtude da pandemia não conseguem realizar o exame da OAB, o que os impede de iniciarem sua jornada como advogados. A OAB, na contramão da migração do online, não se pronunciou em relação o sistema de avaliação digital, impedindo estes bacharéis de executarem o exercício da advocacia pela não formatação de um sistema de exame coerente no cenário que atravessamos.

Terceiro Paradigma: Marketing Jurídico. Algumas palavras, como publicidade e marketing, causam verdadeira resistência e dúvida em alguns profissionais do setor jurídico. Talvez o motivo seja que eles fazem a faculdade pressupondo que terão que focar a sua atenção, depois de formados e aprovados no exame da Ordem, somente no exercício operacional do Direito. Dessa forma, o que outras profissões naturalmente fazem (marketing e gestão de negócios, por exemplo) não seria necessário a eles. Grande engano. Hoje, mais do que nunca, quem não fizer uso, independentemente da área de atuação, de certas ferramentas essenciais ao universo corporativo, terá grandes chances de ficar obsoleto. Quero dizer que, sem esse apoio estratégico, por melhores especialistas que sejam no segmento escolhido (boas faculdades e titulações acadêmicas), não se tornarão competitivos e correrão o sério risco de ser excluídos do mercado.

Segundo Bruno Bom, especialista em marketing jurídico e coautor deste artigo: “A Publicidade na esfera jurídica não é proibida, mas sim regulamentada. As restrições estabelecidas são norteadoras para gerar informação relevante e comprometida com a responsabilidade social inerente à profissão”.

A pandemia reverberou em uma migração coercitiva para o mundo digital e, tornou um marco disruptivo de um sistema até então arcaico em termos de Marketing Jurídico. A OAB caminha a passos curtos na adequação da publicidade jurídica em face o desenvolvimento digital.

O grupo de trabalho da publicidade da OAB, coordenado por Ary Raghiant Neto, apresentou a proposição que altera o provimento 94/00 que dispõe sobre a publicidade, a propaganda e a informação na advocacia. Entre as principais mudanças sugeridas, está a liberação de posts patrocinados nas redes sociais e a utilização de GoogleAds. A expectativa é que a proposta seja votada em abril pelo Conselho Federal da OAB.

Embora tardia, a movimentação é necessária para padronizar a utilização das ferramentas que são autorizadas mediante entendimento dos tribunais locais. A proposição visa uniformizar em âmbito federativo a utilização dos recursos. Hoje, um escritório que tenha matriz em São Paulo e filial em Recife, por exemplo, pode fazer uso dos posts patrocinados na região paulistana, mas não na cidade pernambucana, gerando uma incoerência quando falamos de uniformidade na comunicação do escritório.

Mais do que falarmos isoladamente do provimento cristalizando a ferramenta, a OAB precisa compreender que o modelo de negócio jurídico no Brasil mudou e que, agora, o tomador de decisão, responsável pela contratação de um escritório para sua empresa, apresenta um perfil cada vez mais disruptivo e não está amarrado às “correntes do tradicionalismo jurídico”.

O advogado tem sido exigido, cada vez mais, para ser uma pessoa envolvida no negócio, muito além de uma expertise jurídica, um aliado estratégico de business. Por isso, suas novas e mais complexas funções têm exigido uma gama multidisciplinar de conhecimentos de outras áreas para a operação do próprio Direito – esta conjuntura contemporânea deve estar alinhada ao novo papel do operador do Direito, corroborando sua regulamentação para os advogados do século XXI serem e se manterem relevantes.

Segundo o prestigioso Professor José Renato Nalini: “o Direito é um universo complexo, capaz de seduzir os vocacionados. Mas para surtir os desejáveis efeitos para os quais ele se preordena, precisa dialogar com outras ciências.”

Existem algumas correntes que defendem que a publicidade e o marketing jurídico não deveriam ser regulamentados pelo CEDOAB, mas sim pelo CONAR e pelos preceitos do Código de Defesa do Consumidor.

Quarto paradigma: o tradicionalismo obsoleto e quase aristocrático que dissemina preceitos arcaicos. O “juridiquês” é um neologismo em voga no Brasil para designar o uso desnecessário e excessivo do jargão jurídico e de termos técnicos de Direito, não mais compatível com a digitalização e fluidez da informação. O axioma da tradição também é colocado em xeque, afinal, tradição não é conceituada isoladamente pelo fator quantitativo tempo, mas sim como nos posicionamos ao longo do tempo. A antiga máxima de que “o sucesso no direito vem com os cabelos brancos” perde protagonismo para jovens advogados que ocupam, cada vez mais, cargos de liderança dentro das empresas. Invoco a reflexão de Woody Allen: “A tradição é a ilusão da permanência”.

Quinto paradigma: o mercado jurídico está saturado. Acredito que este seja um dos mais comuns paradigmas. Os dados estatísticos corroboram em sua construção, segundo a OAB, o quadro de advogados registrados no Brasil é de aproximadamente de 1.3 milhões, com média de 1 advogado para cada 190 habitantes, e a previsão são 2 milhões de advogados registrados até 2023. As estatísticas não param por aqui. Segundo o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas) aproximadamente 900 mil alunos se matricularam em cursos de Direito em 2021. O Brasil possui 1.240 cursos superiores de Direito. Com esse número, o país se consagra como a nação com mais cursos de Direito do mundo. A soma total de faculdades de direito no mundo chega a 1.100 cursos. Mesmo com dados alarmantes, acredito que a advocacia não está saturada para quem entende a importância da internet e das redes sociais, para os advogados que entendem a relevância da hiperespecialização para posicionamento, dentro do seu escopo de autoridade, de forma assertiva e segura para o público-alvo delimitado. Para os profissionais que entendem que segundo Dom Hélder Câmara: “É preciso mudar muito para ser sempre o mesmo”.

Sexto paradigma: a não identificação do advogado como uma marca e o pré-conceito que são todos vendedores.

Fechando os 6 lados da caixa paradigmática, todos os advogados, querendo ou não, desde a faculdade de Direito, são uma marca. Por isso, quanto antes eles se posicionarem sobre isso, mais cedo surgirão os resultados.

Não existe outra profissão no mundo senão vendedor. Sim, os advogados são vendedores, vendem muito mais do que serviços jurídicos: vendem soluções autênticas, segurança, ideias, conhecimento, esperança, reputação, e por que não, vendem experiência que culmina inexoravelmente na necessidade da edificação de uma imagem pessoal que transmita credibilidade.

Os paradigmas nos limitam em resultados financeiros e realização profissional, a advocacia não está saturada para os advogados que entendem que é preciso quebrar a caixa paradigmática para irem além. Nada será como antes e as mudanças de paradigmas são inerentes para adaptação em todas as esferas de nossas vidas. Segundo Moacir Farias: “Quebra de paradigma, é ter coragem para inovar, disposição para levantar as âncoras do passado e, mais do que tudo, ter foco para enfrentar o novo, cujo desfecho na linguagem popular pode ter duas opções “pegar um atalho” ou “esticar o caminho”.

 

*Nelson Wilians, advogado e empreendedor. Presidente do Nelson Wilians Advogados

*Bruno Pedro Bom, advogado e publicitário, fundador da BBDE Marketing Jurídico, diretor de Marketing do IBDP. Autor da obra Marketing Jurídico na Prática publicado pela editora Revista dos Tribunais

 

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