Opinião

O STF e o preço dos medicamentos

Corte julga no próximo dia 7 ação decisiva sobre a Lei de Propriedade Industrial

30 de março de 2021

Por Marcus Vinicius Vita Ferreira e Clarissa Marcondes Macéa*

Artigo publicado originalmente na ConJur

A Agenda 2030 foi estabelecida em 2015 pela Assembleia Geral da ONU, por consenso dos 193 Estados-membros, incluindo o Brasil. Trata-se do principal marco internacional para o atingimento de diversas dimensões do progresso humano, cuja realização se espera na presente década. A agenda elenca 17 objetivos de desenvolvimento sustentável. Um desses objetivos é o de “saúde e bem-estar”, que inclui metas de acesso a medicamentos a preços mais baratos.

O STF, no próximo dia 7, vai julgar ação decisiva para o cumprimento dessas metas. Proposta pela PGR, a ação questiona a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (LPI), a qual possibilita a extensão do prazo de patentes em caso de demora na análise pelo INPI. O padrão internacional de vigência de patentes é de 20 anos contados a partir do depósito do pedido. Isso é garantido pela lei brasileira e não está sendo questionado. O que torna o Brasil um caso único no mundo é a extensão da patente para além dos 20 anos, sem prazo pré-definido. Na prática, verificam-se monopólios de mais de 30 anos, inclusive para medicamentos que salvam vidas.

Do ponto de vista econômico, a controvérsia é simples de ser compreendida: durante o período de extensão das patentes autorizado pela norma objeto da ação, fica proibida a introdução no mercado de medicamentos genéricos. Por força de lei, os genéricos devem ter preços pelo menos 35% inferiores aos dos medicamentos de referência. Na prática, observam-se descontos muito maiores: as versões genéricas do Daclatasvir e do Sofosbuvir, para tratamento da hepatite C, por exemplo, são vendidas a valores, respectivamente, 99,1% e 98,9% mais baratos.

Com a extensão das patentes, no entanto, os preços permanecem por mais tempo em patamares elevados. O SUS e o consumidor são obrigados a pagar pelo custo adicional, diante da falta de concorrência. Em 2019, o Grupo de Economia da Inovação da UFRJ, analisando conjunto de nove medicamentos comprados pelo Ministério da Saúde entre 2014 e 2018, concluiu que o prolongamento dessas patentes acarretou gastos adicionais de R$ 3,9 bilhões para o SUS no período. Em data recente, a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) realizou estudo mais abrangente, com base em mais de 900 medicamentos comprados pelo governo, considerando banco de preços do Ministério da Saúde. A Fipe apurou que a extensão das patentes para esse grupo de medicamentos pode gerar para o SUS um custo extra superior a R$ 2 bilhões por ano.

Em julgamento ocorrido em 2020, o TCU também reconheceu a magnitude bilionária do custo da norma para o SUS e recomendou ao governo a revogação do mecanismo de extensão previsto em lei.

O julgamento pelo STF é de especial importância e urgência neste momento de combate à extraordinária e gravíssima crise sanitária, que implica sensível aumento da pressão por gastos públicos em matéria de saúde, em cenário econômico recessivo. A Constituição brasileira determina que a proteção das patentes deve ser temporária e atender ao interesse social. Além disso, garante a livre concorrência e a realização do direito à saúde.

A decisão do Supremo pela inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da LPI terá, portanto, impactos significativos e imediatos para o SUS e para os consumidores, e estará perfeitamente alinhada com as metas de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 da ONU.

 

Marcus Vinicius Vita Ferreira é sócio do escritório Wald, Antunes, Vita e Blattner Advogados, pós-graduado em Direito do Consumidor pela PUC-SP e mestrando em Direito Constitucional pelo Instituto de Direito Público (IDP). Foi consultor convidado da Comissão de Assuntos Constitucionais, e da Comissão de Mediação e Arbitragem do Conselho Federal da OAB.

 

Clarissa Marcondes Macéa é advogada do escritório Wald, Antunes, Vita e Blattner Advogados, mestre em Direito (LL.M.) pela Universidade de Harvard, foi assessora de ministro do Supremo Tribunal Federal, chefe da Assessoria Jurídica da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo e é procuradora licenciada do Município de São Paulo.

Notícias Relacionadas

Opinião

A independência mitigada das instâncias e o curioso impeachment de SC

Polícia, PGR e STJ já constataram a inocência do governador Carlos Moisés

Opinião

A função das taxas do poder de Polícia

Decisão do STF causa estranheza ao admitir cobrança acima do custos do serviço estatal