Por João Emmanuel Cordeiro Lima*
Artigo publicado originalmente no Estadão
No dia 4 de março, o Brasil depositou o instrumento de ratificação do Protocolo de Nagoia junto ao Secretário-Geral da ONU. Isso significa que, a partir do dia 2 de junho (90 dias do depósito), o país passará a ser parte desse relevante acordo internacional que busca implementar um dos objetivos centrais da Convenção sobre Diversidade Biológica: a repartição dos benefícios decorrente da utilização dos recursos genéticos.
Apesar de o Brasil ter exercido um reconhecido papel de liderança na negociação do Protocolo e sido um dos primeiros países a assiná-lo, o processo de ratificação havia ficado paralisada no Congresso Nacional até meados do ano passado, quando o texto foi finalmente aprovado. Para que o país se tornasse parte, faltava apenas o depósito do instrumento de ratificação, que agora foi efetivado.
Ao ingressar nesse acordo internacional, o Brasil passará a ser titular de uma série de direitos e obrigações. Poderá, por exemplo, passar a exigir de outros países, que também façam parte do tratado, a adoção de medidas efetivas para fiscalizar se os recursos genéticos brasileiros que ingressarem em seu território para pesquisa e desenvolvimento foram acessados em respeito à legislação nacional sobre o tema, em especial a Lei 13.123/2015. Esta lei estabelece, dentre outras coisas, que a remessa de amostras para essa finalidade seja precedida da assinatura de termo de transferência de material e cadastro no SISGen, um sistema eletrônico nacional criado para controlar as atividades com os recursos genéticos nacionais e os conhecimentos tradicionais a eles associados.
A lei determina também que os benefícios decorrentes da utilização desses recursos e conhecimentos sejam repartidos. Ou seja, se um molécula for extraída de uma planta brasileira para a fabricação de um inovador medicamento ou cosmético, no Brasil ou no exterior, aquele que se beneficiar dessa descoberta fabricando um produto acabado deverá repartir esses ganhos. Essa partilha pode ocorrer tanto na forma monetária, com transferência de recursos financeiros para o Fundo Nacional de Repartição de Benefícios, como não monetária. Neste último caso, há várias possibilidades, que vão desde a transferência de tecnologia até a execução de projetos voltados à conservação da biodiversidade, dentre outras.
Por outro lado, o Brasil também estará sujeito a obrigações em razão de seu ingresso no Protocolo. Uma delas é justamente criar mecanismos para assegurar que o acesso e utilização de recursos genéticos estrangeiros em território nacional também observe as exigências do país de origem. Essas exigências podem variar de lugar para lugar, uma vez que o tratado reconheceu, em linha com a Convenção sobre Diversidade Biológica, que cada parte exerce plena soberania sobre seus recursos e pode definir os requisitos a serem preenchidos para que eles sejam obtidos (acessados) e utilizados (aplicados em pesquisa e desenvolvimento). Apenas fixou diretrizes gerais a serem observadas, como a necessidade de cada país proporcionar segurança jurídica, clareza e transparência em sua legislação sobre acesso e repartição de benefícios.
Para que possa cumprir essa obrigação, o Brasil deverá realizar escolhas políticas importantes e implementá-las por meio dos instrumentos jurídicos adequados, assim como fizeram países como o Japão, a Coreia do Sul e os membros da União Europeia. Dentre as questões que precisão ser resolvidas destacam-se a escolha dos pontos de controle, a definição das ações a serem adotadas para comprovar o atendimento das normas estrangeiras pelos usuários, as sanções por eventuais descumprimentos (que, a nosso ver, devem ser excepcionais), a possibilidade de correção de falhas e a explicitação do escopo do tratado para todos os setores.
Assim, é de se esperar que o tema movimente tanto o Congresso, para que adote as medidas que dependem de lei no processo de implementação, como o Poder Executivo, naquilo que depende de simples organização administrativa ou mesmo do exercício de competências, regulatórias ou executivas, já fixadas em normas vigentes. A participação de todos os atores sociais potencialmente impactados neste processo – com destaque para setor empresarial, a academia, o governo e as comunidades tradicionais – é fundamental para não corrermos o risco de ter uma regulamentação anacrônica que prejudique a implementação desse importante acordo.
Como todo assunto novo, é natural que dúvidas surjam durante a implementação e que os nacionais passem por um processo de aprendizado para que consigam cumprir de forma cada vez mais natural as exigências que surgirão e aproveitem as novas oportunidades. A boa notícia é que, além da experiência nacional em matéria de acesso e repartição de benefícios, já temos onde nos inspirar no processo de implementação do Protocolo, uma vez que o tratado está em vigor desde 2014 e há alguma experiência internacional sobre o assunto.
*João Emmanuel Cordeiro Lima é sócio do Nascimento e Mourão Advogados e professor de direito ambiental na Universidade São Judas Tadeu, Cogea/PUC/SP e Damásio Educacional