Opinião

O respeito do Congresso Nacional à Constituição e Justiça

Integrantes da CCJ devem ser constitucionalistas vocacionados e convictos

Por Cecilia Mello e Celso Cintra Mori

Artigo publicado originalmente na ConJur

A ordem constitucional e o anseio de justiça, incluídos nesses conceitos os imprescindíveis pressupostos da ética e da observância das leis, são valores muito caros a todo democrata, à democracia como instituição e à própria natureza da República.

A Constituição Federal estabelece que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (artigo 2º). Na separação de poderes, alicerce do Estado democrático de Direito, não se divide a importância do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. As importâncias se somam no exercício equilibrado das respectivas competências constitucionalmente delineadas. Cada um desses poderes deve atuar para assegurar a legalidade e a credibilidade de suas ações, alicerçando um desejado sentimento comum de respeito e deferência institucional.

O Executivo e o Legislativo exercem, ou devem exercer, a atividade política voltada a organizar democraticamente o funcionamento da sociedade, o mais responsiva possível aos anseios dos seus cidadãos. A demonização da política é solapamento da democracia, e não aproveita à sua causa. Portanto, o respeito à política é imprescindível, tanto quanto aos políticos que, reunidos no Congresso Nacional, representam a nação. O Congresso deve emanar a vontade do povo brasileiro e de cada uma das unidades da federação, sem dar as costas, por um minuto que seja, à nossa Constituição.

A Constituição Federal, por sua vez, determina a perda do mandato (artigo 55) de deputado ou senador por condenação criminal transitada em julgado (VI), mas também, entre outras hipóteses, em razão de procedimento declarado incompatível com o decoro parlamentar (II). Além dos casos definidos em regimento interno, a Constituição Federal aponta como incompatível com o decoro parlamentar a percepção de vantagem indevida e “o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional” (§1º, artigo 55). Assim, se por um lado os parlamentares “são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos’ (CF, artigo 53), por outro, a “liberdade de expressão política dos parlamentares, ainda que vigorosa, deve se manter nos limites da civilidade. Ninguém pode se escudar na inviolabilidade parlamentar para, sem vinculação com a função, agredir a dignidade alheia ou difundir discursos de ódio, violência e discriminação” (STF PET 7.174; rel. p/ o ac. min. Marco Aurélio, j. 10/3/2020, 1ª T). A esse entendimento acrescemos, sem qualquer dúvida, que nenhum parlamentar pode se valer de suas prerrogativas para desrespeitar a Constituição, a democracia e o Estado democrático de Direito. Aliás, o respeito à Constituição é o juramento de posse no cargo.

Os Conselhos de Ética e de Decoro Parlamentar da Câmara e do Senado existem exatamente para apurar o comportamento dos deputados e senadores que seja atentatório ou incompatível com o decoro parlamentar. Que não seja impecavelmente ético, nos termos dos correspondentes Código de Ética e Decoro Parlamentar e Regimento, bem como da Constituição Federal. Se tais comissões cumprem os seus papéis, ou se se entregam ao que há de pior no corporativismo rasteiro, é tema para um outro momento.

Aqui e agora, esses comentários vêm a propósito de se realçar a importância da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. Pressupõe-se, segundo a ética e a ordem constitucional, que essa deva ser uma comissão acima das paixões e das disputas políticas. Não existe para dar ou tirar vantagens de partidos ou ideologias. Existe para preservar, o que é essencial na atividade parlamentar, a natureza constitucional das leis que ali se discutem e aprovam, e, sobretudo, para assegurar que a atividade parlamentar se desenvolva segundo os melhores anseios de Justiça.

Portanto, os integrantes da Comissão de Constituição e Justiça, e notadamente os que estejam na posição de dirigi-la, devem ser constitucionalistas vocacionados e convictos. É necessário que conheçam a Constituição. Mas não basta conhecê-la, em exercício racional de visita ao seu texto. É necessário que se vinculem efetivamente à Constituição e aos seus princípios.

Nessa linha, o Código de Ética expressamente define como deveres fundamentais do deputado: promover a defesa do interesse público e da soberania nacional; respeitar e cumprir a Constituição, as leis e as normas internas da casa e do Congresso Nacional; zelar pelo prestígio, aprimoramento e valorização das instituições democráticas e representativas e pelas prerrogativas do Poder Legislativo; e exercer o mandato com dignidade e respeito à coisa pública e à vontade popular, agindo com boa-fé zelo e probidade, entre outros (artigo 3º, I, II, III, IV).

Entretanto, não se pode defender aquilo em que não se acredita. Não se pode defender a Constituição, por exemplo, pregando a tomada de poder pelas Forças Armadas.

Todos os órgãos do Congresso são importantes. Mas, as Comissões de Constituição e Justiça são importantíssimas. Mais do que atuarem como filtros do processo legislativo, existem como tribunas em defesa da própria Constituição. A competência dessa comissão (artigo 32, IV, RICD), que é permanente, estende-se na análise de: 1) aspectos constitucional, legal, jurídico, regimental e de técnica legislativa de projetos, emendas ou substitutivos; 2) admissibilidade de proposta de emenda à Constituição; 3) assunto de natureza jurídica ou constitucional que lhe seja submetido em consulta; 4) assuntos atinentes aos direitos e garantias fundamentais, à organização do Estado, à organização dos poderes e às funções essenciais da Justiça; 5) matérias relativas a Direito Constitucional, Eleitoral, Civil, Penal, Penitenciário, Processual, Notarial; 6) partidos políticos, mandato e representação política, sistemas eleitorais e eleições; 7) nacionalidade, cidadania, naturalização, regime jurídico dos estrangeiros; emigração e imigração; e 8) intervenção federal; e outros não menos relevantes.

Portanto, a Comissão de Constituição e Justiça, assim como a sua presidência, só podem ser ocupadas pelos congressistas que tenham efetiva identidade com os dispositivos e os princípios constitucionais.

Quando a Câmara elege para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça alguém que está sendo investigada por eventuais atos concretos de violação constitucional, e que abertamente prega a quebra da ordem constitucional com a intervenção das Forças Armadas, não pode esperar que se lhe tribute respeito. O respeito que se deve ao Parlamento passa a ter o seu lugar ocupado pela preocupação com a justificada dúvida sobre o que está o Congresso Nacional fazendo com os valores da democracia e da República.

Cecilia Mello é criminalista, sócia do Cecilia Mello Advogados.

Celso Cintra Mori é advogado com atuação na área de contencioso cível e empresarial, e presidente do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (CBPEJ).

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