Por Nelson Wilians*
Segundo dados do barômetro da liberdade de imprensa, disponíveis no site da ONG Repórteres Sem Fronteiras, foram assassinadas 54 pessoas durante o ano de 2020, entre jornalistas e colaboradores da imprensa.
Já em 2021, dois profissionais perderam suas vidas devido as suas atividades jornalísticas, o que é muito preocupante.
O fato de vidas de membros da imprensa serem ceifadas de maneira brutal é um indício de que a liberdade se encontra em risco e com ela o próprio Estado Democrático de Direito, por uma série de razões.
O acesso à informação é uma garantia fundamental do cidadão desde as primeiras declarações de direito do século XVIII, e a liberdade dos meios de comunicação é uma conquista histórica que não pertence a nenhuma ideologia: nem à esquerda nem à direita, mas sim uma vocação universal democrática. Levando-se em conta que o poder emana do povo e em seu nome é exercido, sem o fluxo ininterrupto de informações não há institucionalidade democrática. Os temas de interesse público precisam estar acessíveis para a maior quantidade possível de pessoas, caso contrário a democracia se converte em simulacro voltado para gozo de poucos apaniguados.
Assim, quanto mais transparente a gestão da coisa pública mais democrático o regime, o que nos remete ao real significado da liberdade para o meio jornalístico.
Ao contrário do indivíduo, que possui direito inafastável à sua própria liberdade nos termos do art. 5, Il da Constituição Federal, que afirma que ninguém será obrigado afazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, o jornalista não possui direito à liberdade. Ele possui o dever da liberdade, está condenado a ser livre em razão de suas obrigações com as instituições democráticas.
O jornalista nunca pode abdicar de sua independência a cada pergunta, a cada palavra que escreve. Portanto, ser livre é o primeiro de seus deveres, cujo exercício é tão primordial para a sociedade como o senso de justiça para o advogado e o amor a vida para o médico.
Um dos pais fundadores da democracia norte-americana, James Madison, presidente dos Estados Unidos entre 1809 e 1817, tinha plena consciência do papel dos órgãos de comunicação na democracia, como podemos ver de sua famosa afirmação: “apenas à imprensa, por mais marcada por abusos que ela seja, o mundo deve todos os triunfos obtidos pela razão e pela humanidade contra o erro e a opressão”. Essa talvez seja a função mais relevante do jornalismo nas repúblicas constitucionais: a defesa da participação democrática popular contra o arbítrio e o abuso.
A história da Folha de S.Paulo se confunde com a consolidação da democracia no Brasil, com destaque para a sua participação no processo de redemocratização.
Os anos finais do regime militar foram palco da campanha “Diretas Já”, onde o jornalismo da Folha foi determinante não só na cobertura das manifestações que levaram ao enfraquecimento da ditadura, mas também na participação ativa no processo de fortalecimento da coesão do sentimento democrático popular.
Talvez essa seja a maior missão da imprensa livre em um país democrático. Manter o anseio pela liberdade vivo no coração das pessoas. Quando ela morre ali, justamente ali, não há constituição, tribunal ou lei que a salve. Por outro lado, quando o anseio por liberdade é forte no coração do povo, nada o tira de lá.
Nelson Wilians é sócio fundador do escritório Nelson Wilians e Advogados Associados