Por Daniel Gerber e Gabriel Freire Talarico*
Artigo publicado originalmente no Estadão
Muito embora alguns setores sociais retratem, propositadamente, o advogado criminalista como um bon vivant inimigo do progresso e “defensor de bandidos”, nada de glamouroso existe nesta área, que, à la Churchill, promete apenas sangue, suor e lágrimas.
Ao revés, seu sacrifício em em prol dos Direitos sonegados de cada cidadão, dia a dia, é cada vez mais necessário, eis que diante do maior acesso público aos julgamentos, é fortalecida uma tendência quase insuperável de criminalização daquilo tudo visto como moralmente incorreto.
Nesse panorama, um dos maiores desafios da advocacia criminal tem sido a atecnia da jurisprudência formada em prol da “defesa social”, notadamente, no que diz respeito ao enquadramento dos Fundos de Pensão à Lei nº 7.492/86 no contexto dos crimes de gestão temerária e fraudulenta.
Com esse questionável entendimento, surgiram diversas relevantes operações. Dentre elas, a aclamada Operação Greenfield. Sob o pretexto de “combate à corrupção” – muito embora, não raras as vezes, o crime de corrupção sequer integre a narrativa acusatória – prenderam, restringiram direitos, denunciaram, perseguiram o alto escalão corporativo de diversas entidades de previdência complementar.
Fato é que, para além de apresentar insustentável e, portanto, inconstitucional grau de indefinição, os crimes de gestão temerária e gestão fraudulenta, por certo, não se adequam à atividade das entidades de previdência complementar, logo, dos Fundos de Pensão.
Em outras palavras: aos menos aos olhos da Lei nº 7492/86, é atípica a conduta daquele que gerencia Fundo de Pensão de forma temerária ou fraudulenta. Bem por isso, padecem de justa causa as graves acusações nesse sentido.
Para tanto, tenhamos em mente que o diploma legal em questão tipifica os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, tendo como âmbito de aplicação as instituições financeiras, entendidas como tais aquelas pessoas jurídicas com atividade, principal ou acessórias, descrita no art. 1º da Lei.
Significa dizer que, seja por descrição do caput ou pela equiparação trazida pelo Parágrafo único, o art. 1º não descreve as entidades de previdência complementar como suscetíveis aos comandos daquela Lei.
Não à toa, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado nº 312/2016, cuja explicação da ementa é a seguinte: “Altera a Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, para enquadrar as entidades de previdência complementar à norma legal, que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, permite a Superintendência Nacional de Previdência Complementar – Previc a verificar a ocorrência de crime. Tipifica o crime de gestão fraudulenta e temerária.”
Temos, com isso, não apenas que o projeto busca, corretamente, tipificar os crimes de gestão fraudulenta e temerária – o que se julga necessário diante do já dito insustentável grau de indeterminação dos tipos em questão –, mas também tem como objeto “enquadrar as entidades de previdência complementar à norma legal”.
Ora, com esse objetivo, o legislador desvela de uma vez por todas o erro jurisprudencial, pois deixa expresso que as entidades de previdência complementar ainda dependem de enquadramento legal à Lei nº 7492/86.
Dito de outra forma, o legislador bem aponta que, atualmente, os Fundos de Pensão não são objeto de incidência dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.
Com isso, temos ratificada a ausência de justa causa das graves acusações formuladas contra gestores de entidades de previdência complementar. Erro jurídico que merece ser imediatamente corrigido pelas esferas do Judiciário. Imenso desafio que reporta aquilo que falamos no começo: a advocacia criminal não é para covardes.
*Daniel Gerber é advogado criminalista com foco em gestão de crises, compliance político e empresarial. Sócio-fundador do escritório Daniel Gerber Advogados Associados (Brasília-DF e Porto Alegre-RS)
*Gabriel Freire Talarico, advogado criminalista, sócio-fundador do escritório Freire & Malafaia Advocacia