Opinião

O ecossistema jurídico das fintechs

Setor necessita de aprimoramento constante das normas para não ficar vulnerável

6 de março de 2020

Por Dayane Caroline de Souza

Artigo publicado originalmente no IT Forum 365

Em um contexto social marcado pelo uso desenfreado de soluções baseadas em tecnologia, que impulsionam a demanda por facilidades financeiras e bancárias, somado ao descontentamento pelas soluções tradicionais das instituições, sugiram as fintechs.

O termo “fintech” é resultado da junção das palavras “finanças” e “tecnologia”, em inglês. O termo é utilizado para designar empresas, majoritariamente startups, com um modelo de negócio diferenciado das instituições tradicionais na oferta de produtos e serviços financeiros, que utilizam como insumos tecnologias como blockchain, criptomoedas, reconhecimento facial, criptografia, inteligência artificial etc.

As fintechs podem atuar em diversas áreas do setor financeiro, oferecendo soluções de meio de pagamento, crédito, fornecimento de cartões e contas totalmente on-line, além de distribuição de criptomoedas, dentre outras.

Não há uma legislação específica para as startups. As fintechs também não possuem uma única lei que as regule. De todo modo, é possível dizer que as normas existentes, ainda que esparsas, contidas, por exemplo, na Constituição Federal, Código de Defesa do Consumidor, Código Civil e Marco Civil da Internet, dentre outras, conseguem acomodar as inovações trazidas pelas fintechs.

Recentemente, o Banco Central do Brasil emitiu Resoluções que disciplinam fintechs de crédito e de meio de pagamento, que passaram a ser reconhecidas como instituições financeiras.

A regulamentação mostrou-se necessária diante da importância do crédito para a saúde econômica do país.

É necessária o constante aprimoramento das normas para que este setor não fique vulnerável tanto para os empreendedores, que se arriscam neste modelo de negócio, quanto para os consumidores que usufruem dos serviços das fintechs.

No Brasil, o Banco Central autorizou o funcionamento de dois tipos de fintechs de crédito: a Sociedade de Crédito Direto (SCD) e a Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP), cujas operações constarão do Sistema de Informações de Créditos (SCR), disciplinadas pela Resolução nº 4.656/2018 do Bacen.

As fintechs de crédito, desde 2018, passaram a contar com um conjunto de normas complexas e rigorosas para regulá-las, o que inevitavelmente garante maior segurança jurídica para o setor e consumidores.

A Sociedade de Crédito Direto (SCD) é instituição financeira que realiza empréstimos, financiamentos e faz operação de aquisição de direitos creditórios, por meio de capital próprio e por meio, exclusivamente, de uma plataforma eletrônica online.

Já a Sociedade de Empréstimo entre Pessoas (SEP) é instituição financeira que tem por objeto a realização de operações de empréstimo e de financiamento e que faz análise de crédito para clientes e terceiros, cobrança de crédito de clientes e terceiros e atuação como representante de seguros na distribuição de seguro relacionado com as operações de crédito e financiamento entre pessoas exclusivamente por meio de plataforma eletrônica.

Em ambas as fintechs, deve ser utilizado um modelo de análise de crédito com critérios consistentes, verificáveis e transparentes. Segundo dados do Banco Central, hoje são 11 as instituições que foram reconhecidas como SCD e quatro como SEP.

No setor financeiro, a análise de crédito tem como objetivo atribuir uma “pontuação” a um potencial tomador de crédito, por meio de métodos estatísticos que aferem o risco de inadimplência. O sistema é conhecido como credit score.

Pelo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), as empresas que prestam o serviço de score não têm o dever de revelar a fórmula do cálculo ou o método matemático. Porém, devem informar ao titular da pontuação os dados para que tal valor fosse alcançado na avaliação de risco de crédito.

Para o STJ, o uso do score independe do consentimento do titular, mas devem ser observados os limites estabelecidos pelo sistema de proteção do consumir no sentido da privacidade e da máxima transparência.

Apesar de decisões do STJ, na prática, esse tipo de análise de crédito pode ser realizado sem clareza ao consumidor. Essa falta de transparência trás incertezas para o consumidor e para a empresa que faz a análise do crédito, que fica sujeita ao risco de indenizar, por dano moral, o consumidor que se sentir prejudicado pela falta de clareza sobre a composição de seu score, como ocorreu, recentemente, em um caso julgado pela 2ª turma dos Juizados Especiais do TJ/GO.

Por isso, é importante a regulamentação das atividades de fintech de crédito, uma vez que uma de suas atividades é justamente a análise de crédito

Outro ponto sensível diz respeito à finalidade da análise de dados. Em um primeiro momento, uma fintech de crédito pode alegar que seu modelo de negócio exige o processamento de dados pessoais. Entretanto, isto não impede que os dados coletados recebam outra função que não a de realização de análise de risco.

No caso de fintechs, especificamente, a venda de dados financeiros pode trazer prejuízos imensuráveis para os clientes.

Assim, a atenção sobre o tema tem extrema importância para garantir a autodeterminação dos titulares quanto ao uso de seus dados, além de limites e princípios que devem ser seguidos para que tal modelo sobreviva.

 

Dayane Caroline de Souza, especialista em Propriedade Intelectual, sócia do Chiarottino e Nicoletti Advogados

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