Por Livi Gerbase*
Artigo publicado originalmente no Estadão
Mais de 200 organizações da sociedade civil apresentaram na última quinta-feira, 1/10, uma Nota Técnica ao Congresso Nacional, revelando o investimento mínimo para que as áreas de saúde, educação, assistência social e segurança alimentar e nutricional interrompam o ciclo de retrocessos iniciado em 2015, quando teve início o teto dos gastos públicos no Brasil.
Ao analisar o orçamento do Poder Executivo destinado a essas políticas em 2021, o estudo mostra que a diferença entre os recursos do Projeto de Lei Orçamentária Anual do governo (R$ 374 bilhões) é quase metade do que as ONGs julgam a real necessidade para garantir os direitos essenciais à população socialmente vulnerário num cenário de pós-pandemia (R$ 665 bilhões).
A Nota Técnica foi lançada neste primeiro de outubro, pois a partir dessa data os legisladores podem apresentar suas emendas para aumentar os recursos sugeridos pelo governo e melhorar o enfrentamento do rápido crescimento do desemprego, da miséria e da fome em nosso país, acirrado pela pandemia.
Entre as consequências do estabelecimento deste piso emergencial, está a de impedir que o Sistema Único de Saúde (SUS) perca R$ 35 bilhões em 2021, em comparação aos recursos do Ministério da Saúde previsto para este ano. De acordo com a Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento do Conselho Nacional de Saúde (CNS), até setembro de 2020, foram liberados créditos extraordinários de R$ 41,2 bilhões à Pasta para o enfrentamento da pandemia, sendo que 25% desses recursos ainda estão a empenhar, isto é, sem definição de despesa ou “parados” sem uso no orçamento do Ministério.
A educação é outra área vítima dos efeitos econômicos e sociais da pandemia. De um orçamento de R$ 114,9 bilhões em 2015, a Educação conta uma previsão orçamentária para 2021 de R$ 70,6 bilhões, uma redução de 38,6%. Cabe lembrar ainda que o valor médio anual (de 2014 a 2016) das despesas com educação no Brasil, retirando-se o pagamento de pessoa, é de R$ 107,4 bilhões.
Já o orçamento para o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) também demanda atenção por parte dos deputados e senadores na elaboração de suas emendas. Os recursos da área vêm diminuindo anualmente desde a crise que se iniciou no final de 2014, piorando no ano de 2015 com as medidas de austeridade fiscal e a aprovação da EC 95, do Teto dos Gastos. O orçamento inicial para Assistência Social caiu de R$ 3 bilhões em 2014 para R$ 1,3 bilhões em 2020, uma redução de 57%. Esse valor é insuficiente até mesmo para a manutenção da rede de serviços instalada.
Em 2020, frente à Covid-19, foram abertos créditos extraordinários de R$ 2,5 bilhões, montante insuficiente para atender às novas demandas no SUAS. Mas o mais grave é que o orçamento ordinário para assistência social não está sendo executado e não existe previsão de que seja restituído. Por exemplo: a ação orçamentária 219E, referente a ações de proteção social básica, teve orçamento autorizado de R$1 bilhão para 2020; entretanto, até setembro deste ano apenas R$ 188 milhões foram empenhados. Na ação 219F, de ações de proteção social especial, do orçamento autorizado de R$ 515 milhões, apenas R$ 105 milhões foram empenhados, conforme dados dos SIOP (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento).
Por fim, a área da segurança alimentar e nutricional também sofreu cortes de gastos nos últimos anos e precisa de um aumento orçamentário para evitar o desmantelamento total de suas políticas. Os programas que mais precisam de reforço orçamentário nesta área para o ano que vem são o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e as políticas de Restaurantes Populares e de ampliação do acesso à água para abastecimento humano e produção de alimentos com cisternas.
A iniciativa da Coalizão mostra por meio de números que a sociedade civil tem propostas concretas para garantir uma recuperação econômica e social na superação da pandemia e da crise política, social e econômica que estamos enfrentando no Brasil há anos.
*Livi Gerbase, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc). Mestre em economia política internacional pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro