Por Gustavo Centeno Biglia, Vinicius Singnoreti Panuci e Felipe Lourenço Moura Lima*
Artigo publicado originalmente na ConJur
O Brasil figura como um dos países com maior quantidade de casos confirmados de Covid-19 no mundo. Diante desse cenário, atravessamos um momento extremamente delicado para desenvolver atividades empresariais em caráter presencial.
A elevada transmissibilidade do vírus, aliada às aglomerações dos grandes centros urbanos, proporcionou um aumento exponencial de novos casos, os quais demandaram intervenções públicas para “achatar” a curva de contaminação, desencadeando as medidas de isolamento social.
Passados mais de seis meses de isolamento, o Brasil iniciou, enfim, a retomada de quase todas as suas atividades. Contudo, as empresas, não sem razão, permanecem receosas com a eventual retomada de suas atividades nos escritórios. Afinal, muitas delas não sabem quais as consequências, do ponto de vista de responsabilização civil, que isso pode acarretar.
Tal questionamento decorre das incertezas que pairam sobre o modelo que deve ser seguido para essa flexibilização. Quais seriam, por exemplo, as providências a serem tomadas frente ao retorno das atividades presenciais?
Há diversos regulamentos que tratam sobre o tema. Entre eles, podemos destacar a Portaria do Ministério da Saúde nº 188, de 3 de fevereiro deste ano, que declarou emergência em saúde pública de importância nacional em decorrência da infecção humana pela Covid-19, e a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas de enfrentamento no âmbito federal. Ambos os regramentos indicaram a possibilidade de adoção de medidas de isolamento, quarentena, realização compulsória de exames e vacinação, além de outras medidas profiláticas.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) apresentou orientações específicas para o retorno das atividades presenciais, por meio de cartilha denominada “Getting Your Workplace Ready for Covid-19 [1]“. A principal preocupação da entidade internacional é a higienização das superfícies tocadas por funcionários e/ou clientes, tendo em vista que estas são apontadas como a principal fonte de contaminação do novo coronavírus. Em razão disso, a OMS recomenda que as empresas instalem dispensadores com soluções de higienização para as mãos e indique, por meio de cartazes e outros meios informativos, a necessidade da limpeza periódica das estações de trabalho.
Conforme orientação do Ministério da Saúde, para redução de novos infectados, foram indicadas algumas medidas específicas para a retomada das atividades presenciais, as quais objetivam minimizar o contato e reduzir a exposição ao vírus.
A Portaria nº 1.565/20 [2] prevê que as atividades presenciais deverão respeitar as melhores práticas sanitárias, proporcionando um distanciamento mínimo, e o uso de máscara de proteção individual, o que torna indispensável estabelecer e divulgar um plano de ação com orientação das atividades, prevenção, controle e mitigação da transmissão do novo coronavírus.
Além das normas específicas acima, que tratam das medidas tomadas na pandemia, o Código Civil Brasileiro trata do ato ilícito que gera responsabilização civil. Nos termos de nosso Código Civil, qualquer ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência que violar direito e causar dano a outrem configura ato ilícito, e seu agente possui o dever de repará-lo [3]. Assim, poderia uma empresa ser responsabilizada na hipótese de um colaborador contrair o vírus durante a prática profissional?
Para que se configure a responsabilização pelo dano, é necessária a comprovação que existiram ações que contribuíram para a indesejada contaminação do indivíduo. Nesse sentido, a adoção de medidas de segurança, instruir claramente colaboradores e terceiros, são ações que demonstram que a empresa não mediu esforços para evitar quaisquer tipos de danos à saúde destas pessoas que podem afastar a interpretação que configure o nexo causal entre o dano sofrido pelo indivíduo e as atividades presenciais da empresa.
Claro, a discussão não pode ser sintetizada na utilização de dispositivos legais esparsos, pois cada caso apresentará nuances próprias, que podem se acobertar nas mais diversas áreas do Direito.
Entretanto, se existe alguma medida a ser tomada para que as atividades presenciais retornem da melhor maneira possível — se necessárias, evidentemente — é fundamental que a empresa siga os protocolos e possua um plano de retorno das atividades, para afastar ou, no mínimo, mitigar eventual nexo de causalidade em responsabilização pela contaminação de colaborador ou terceiro pela Covid-19.
Com a constatação de que foram adotadas as medidas preventivas, alinhadas às orientações governamentais e sanitárias, bem como a indiscutível intenção da empresa para com a preservação da saúde e redução da transmissibilidade do vírus aos indivíduos, o requisito causal para pleitear algum tipo de responsabilização por conta da transmissibilidade da doença tende a ser enfraquecido.
Por outro lado, não deixa de ser importante o protagonismo de cada indivíduo. Por isso, a empresa deve ser clara quanto às condições de uso do ambiente e materiais de uso comum, bem como dos deveres de higienização, cuidados e informações relativas à saúde de cada colaborador.
Em momentos de dificuldade no cenário da saúde pública, é importante salientar que a saúde das pessoas é mais importante do que qualquer atividade econômica. De toda forma, com a retomada das atividades presenciais, é essencial o acompanhamento para cada caso, mediante a consulta de setores especializados para a apresentação de pareceres técnicos, inclusive sobre possíveis desdobramentos jurídicos.
[1] ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE – OMS. Getting your workplace ready for Covid-19. Disponível em: <https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/getting-workplace-ready-for-covid-19.pdf>.
[2] Ministério da Saúde. Portaria nº 1.565, de 18 de junho de 2020. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-1.565-de-18-de-junho-de-2020-262408151>.
[3] Código Civil, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, artigos 186-188. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>.
*Gustavo Centeno Biglia é advogado na área societária do escritório WZ Advogados.
* Vinicius Singnoreti Panuci é advogado da área societária do escritório WZ Advogados.
*Felipe Lourenço Moura Lima é advogado da área societária do escritório WZ Advogados.