Por Sacha Calmon*
Artigo publicado originalmente no Estado de Minas
Não podemos tomar partido na disputa entre EUA e China para ter nossa identidade mantida. Os países não têm amigos, têm interesses. A agenda de costumes e a questão ambiental nos fizeram ficar isolados em organismos internacionais, ao lado de países conservadores. Há um crescente desprestígio do Brasil”, afirmou Rubem Barbosa, um dos nossos luminares no campo da diplomacia, extremamente respeitado.
Os EUA destroem a própria obra quando atacam o edifício multilateral construído no pós-guerra, em Yalta. A mentira eleitoral de Trump sobre a relação com a China não altera a realidade. Foram as cadeias produtivas, estimuladas pelos EUA, que fizeram a China mais barata. Hoje se arrependem, pois globalização é sinônimo de Ásia e protecionismo de América.
Assim, em linguagem direta e informada, dois dos mais prestigiados embaixadores do Brasil em tempos recentes alertam o país para a vastidão das extensões presentes e suas consequências futuras no cenário internacional. Se continuarmos errando na linguagem e na ação diplomática em relação aos EUA e à China, seremos um poder declinante. As opiniões foram expressas em videoconferência organizada pelo Conselho de Economia e Política da Fecomércio de São Paulo.
A China foi se tornando uma potência no cenário mundial como força que desafia a hegemonia norte-americana. Os embaixadores consideram uma ironia dizer que a China é país emergente. A China é antiga, com seus quatro mil anos de história. Precisou de apenas duas décadas para reconfigurar o comércio internacional, passando a ser o principal parceiro para muitos países, até mesmo os EUA. É o nosso maior parceiro comercial.
Além disso, a China detesta a guerra fria, ainda mais a quente, pois que não lhe são convenientes. É na paz que ela ganha a guerra comercial e, futuramente, a tecnológica, num crescendo assustador. Conta, sem alarde, da imediata proteção da Rússia, potência espacial, em balística e dotada de tantos foguetes e ogivas nucleares quanto os EUA. Trump e os serviços secretos americanos sabem disso muito bem!
Entretanto, é claro que a China está fazendo o máximo para estruturar o escudo asiático de proteção nuclear, em razão do crescente posicionamento dos EUA em países do sul e no mar da China, em evidente política de intimidação e para manter o complexo industrial-militar que responde por parte significativa do PIB americano, para quem um mundo de paz seria um péssimo negócio.
Tio Sam, além de abusar e manter uma filmografia de guerra e propaganda dela justificatória, tem um orçamento militar que suplanta o PIB de países europeus aliados! (Com a cantilena de defesa da democracia é imperialista.) Em verdade, a democracia americana herdou – isso é consenso na sociologia política – do imperfeito sistema distrital inglês às distorções de votação através de delegados distritais. Para se ter uma ideia, se na Inglaterra um distrito tiver 51% em prol dos trabalhistas e 49% em prol dos conservadores, 100% dos votos contam em prol dos trabalhistas. É um sistema que propicia várias distorções (para quem se interessar, ver Renê David: Sistemas eleitorais).
Em todo caso, a Grã-Bretanha é parlamentarista e o primeiro-ministro é gestado no Parlamento, sujeito a controles e, sendo mais aberto às alterações sociais, respondendo de imediato às pressões populares. A possibilidade de convocar eleições para orientar o Parlamento é muito mais democrática e perfeita que o presidencialismo americano que elege – sem chance de mudar – um chefe não apenas de Estado, mas também de governo, por quatro longos anos, uma desgraça política que a América do Sul, por mimetismo e falta de imaginação, adotou. A ideia parlamentarista deveria ser retomada pelos jovens políticos do Brasil.
Muito me agrada o regime semipresidencialista português, que julgo o mais perfeito. O presidente da República é eleito pelo voto popular (chefe de Estado). O Parlamento, pelos partidos ou coligação vencedora, indica o primeiro-ministro (o chefe de governo), cabendo ao presidente dissolver o Parlamento em caso de grave crise institucional e convocar novas eleições.
Quem mantém relações diplomáticas e representa a nação portuguesa é o chefe de Estado (e não o chefe de governo, voltado para a política interna). Parecido com o semipresidencialismo português é o semiparlamentarismo francês. Na França, o presidente tem maiores poderes e é eleito para sete anos de mandato. A Assembleia Nacional, por maioria, indica o primeiro-ministro. Quem pode cair, se perder a maioria, é o primeiro-ministro, que tem atribuições e competências delimitadas. Seja lá como for, tanto a França como Portugal, no fundo, são parlamentaristas, com Executivos fortes (semipresidencialismo e semiparlamentarismo se equivalem).
O presidencialismo é uma forma de governo inferior que só funciona nos EUA, e assim mesmo com lacunas evidentes (rei eleito).
*Sacha Calmon é advogado, coordenador da especialização em direito tributário da Faculdades Milton Campos, ex-professor titular da UFMG e UFRJ