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Honorários contratuais têm preferência sobre a penhora de crédito tributário

É preciso distinguir formas de remuneração a advogados

25 de setembro de 2020

Por Luís Henrique da Costa Pires e Alexsandro Miranda Borges*

Artigo publicado originalmente na ConJur

A remuneração do advogado contratado para a propositura de ação judicial ou a apresentação da respectiva defesa pode ocorrer mediante duas formas: honorários de sucumbência (salvo nos casos em que tal verba não é admitida — mandado de segurança, por exemplo) e honorários contratuais.

Embora alguns textos de doutrina ou mesmo decisões judicias refiram-se a ambos de forma sinônima, por vezes reunidos na expressão “honorários advocatícios”, como se tratassem de algo em comum, são verbas que não se confundem, sendo imperioso distingui-las porque determinados fatos jurídicos podem acarretar consequências distintas em relação a elas.

Os honorários de sucumbência pertencem exclusivamente ao advogado, a teor do artigo 23 da Lei nº 8.906/94 [1], até porque são pagos pela parte contrária (vencida na ação), razão pela qual não se sujeitam a qualquer tipo de constrição relacionada a dívidas apuradas ou cobradas em nome da parte constituinte/contratante dos serviços advocatícios.

Com relação aos honorários contratuais, no entanto, a situação é distinta. Não raro, a contratação nas ações que envolvem litígios contra a Fazenda Pública é feita com a cláusula quota litis, vinculando-se a remuneração do advogado à vantagem (ganho de causa) obtida por seu cliente. Também é comum que essa vantagem esteja atrelada ao levantamento de depósito judicial efetuado nos autos, seja pela parte contrária, por exemplo, em caso de precatório pago pela Fazenda Pública, seja pela própria parte constituinte, por exemplo, em depósito efetuado para fins de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (artigo 151, II, do CTN) ou para fins de viabilizar a oposição de embargos à execução fiscal (artigo 9º, I, da Lei nº 6.830/80).

Nesse contexto, problema recorrente a quem litiga contra a Fazenda Pública diz respeito à tentativa de penhora de valores depositados nos autos para fins de garantir dívidas quaisquer da parte constituinte com o ente público. Isso tem sido comum nos casos em que o contribuinte se sagra vencedor na ação e tem o direito ao levantamento do depósito. A Fazenda Pública, até por possuir acesso fácil e imediato à situação fiscal do contribuinte, por meio da qual pode identificar se há débitos vencidos e não garantidos, tem utilizado cada vez mais o expediente de solicitar a penhora no rosto dos autos para bloquear o valor a ser levantado e transferi-lo para alguma execução fiscal na qual a parte constituinte da procuração figure como executada.

Quando implementada a medida pelo juízo competente, o advogado corre o risco de ter o recebimento de seus honorários contratuais, antes vinculados unicamente ao levantamento de depósito judicial — procedimento simples e via de regra rápido —, comprometido ou, ao menos, postergado indefinidamente, a depender inclusive da situação financeira de seu constituinte.

A penhora de honorários contratuais pela Fazenda Pública, no entanto, não é irrestrita e sujeita-se a medidas de proteção por parte do advogado.

De fato, justamente para resguardar o advogado, que não tem qualquer relação ou responsabilidade sobre dívidas em nome de seu contratante, o Estatuto da OAB prevê que “se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou” (artigo 22, §4º).

Quando se trata de depósito oriundo do pagamento de precatório nas ações de restituição de indébito, o Conselho Nacional de Justiça, ao longo dos anos, tem editado resoluções que permitem ao advogado, por ocasião da expedição da ordem de pagamento, solicitar o destaque da parcela que lhe é devida [2]. Na resolução atual (303/2019), o artigo 8º, §2º, assegura essa prerrogativa do advogado. Já nas ações em que o depósito é feito pelo próprio contribuinte (para fins do artigo 151, II, do CTN ou em execução fiscal), em regra o pedido de reserva/destaque somente pode ser efetuado ao final do processo e se o resultado for favorável ao contribuinte quando, então, lhe é facultado levantar a respectiva quantia.

Feito o destaque, eventual ordem de penhora para satisfação de dívidas da parte constituinte não pode atingir o quanto destacado ao advogado. Afinal, a finalidade do destaque é justamente segregar a parcela que pertence à parte daquela devida ao advogado, a teor de pacífica jurisprudência [3].

A controvérsia está nos casos em que a constrição sobre o valor a ser recebido pelo constituinte se vincula a crédito de natureza tributária e ocorre antes do destaque ou reserva dos honorários contratuais em favor do advogado. Discute-se, nessa hipótese, se a penhora anterior inviabiliza o exercício do direito previsto no artigo 22, §4º da Lei 8.906/94. Tal questão é posta, em especial, diante do contido no artigo 186 do CTN: “O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho”.

O tema tem causado divergência na jurisprudência e ainda carece de definição. Alguns julgados têm decidido a questão pelo critério da preferência legal entre os créditos, não raro encontrando decisões ora dando preferência aos honorários, ora aos créditos tributários; outros, pelo critério da anterioridade, de sorte a prevalecer o que primeiro ocorrer nos autos do processo, sob o raciocínio de que o destaque somente seria cabível em face de crédito disponível [4].

A definição da questão, assim, envolve inicialmente a identificação do critério aplicável.

De acordo com o artigo 908, caput e § 2º, do Código de Processo Civil, “havendo pluralidade de credores ou exequentes, o dinheiro lhes será distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas preferências. (…) §2º. Não havendo título legal à preferência, o dinheiro será distribuído entre os concorrentes, observando-se a anterioridade de cada penhora”.

A legislação processual confere prioridade para a satisfação de créditos privilegiados pelo direito material, de modo adequado à máxima de que “o processo existe para que o direito material se concretize” [5].

Assim é que, se houver mais de um crédito a ser satisfeito, o critério decisivo é “a ordem das respectivas preferências”, ressalvada a anterioridade da penhora como critério meramente subsidiário (“não havendo título legal à preferência”), para fins de desempate. Isto é, a preferência decorrente da qualidade creditícia prevista em lei se sobrepõe à anterioridade da constrição, critério de natureza processual, que apenas estabelece a ordem dos credores dentro do mesmo grupo.

Não obstante a norma se refira ao concurso de credores, que pressupõe a multiplicidade de penhoras [6] e excetuadas as hipóteses de falência, recuperação judicial e outras sujeitas a regramento específico (CTN, artigo 187), as regras para a definição da preferência são transcendentes, na medida em que doutrina [7] e jurisprudência há muito vêm se posicionando no sentido de que “não é possível sobrepor uma preferência de direito processual a uma de direito material”, inclusive em casos envolvendo a Fazenda Pública, porquanto para o exercício desta preferência (material) não se exige a realização de penhora, pois tal “reduz(iria), significativamente, a finalidade do instituto — que é garantir a solvência de créditos cuja relevância social sobeja aos demais —, assemelhando-se o credor com privilégio legal aos outros desprovidos de tal atributo” [8].

Tal constatação permite concluir, de plano, que pouco importa se, no momento em que requerida a reserva dos honorários pelo advogado, mediante a juntada do contrato de prestação de serviços, já havia sido realizada a penhora sobre o numerário em virtude de suposta dívida tributária do contratante. A satisfação deve ser dada ao crédito de maior importância, tal como definido legalmente.

Fixada essa premissa, tem-se que de um lado o artigo 186 do CTN estabelece que o crédito tributário prefere a qualquer outro, exceção feita aos decorrentes da legislação trabalhista. De outro, no entanto, “os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação do trabalho (…)”, de acordo com artigo 85, §14, do CPC/15.

Ainda que o dispositivo processual esteja ligado especificamente à sucumbência, o mesmo tratamento tem sido historicamente dispensado aos honorários contratuais. O Supremo Tribunal Federal já decidiu, por ambas as turmas, que “os profissionais liberais não recebem salários, vencimentos, mas honorários e a finalidade destes não é outra senão prover a subsistência própria e das respectivas famílias”, concluindo que “os honorários advocatícios consubstanciam, para os profissionais liberais do direito, prestação alimentícia” [9]. Por igual razão, a Corte Especial e a 1ª Seção do STJ reconheceram que “os honorários advocatícios, tanto os contratuais quanto os sucumbenciais, têm natureza alimentar” [10] [11].

Digno de nota que esses precedentes se formaram no intuito de estender o reconhecimento da natureza alimentar — antes limitado aos honorários contratuais [12] — aos decorrentes da sucumbência. É dizer, pois, que nunca se duvidou serem os honorários contratuais a forma, por excelência, de remuneração pelo trabalho prestado pelo advogado, vitais ao desenvolvimento e à manutenção do profissional, já que “destinam-se ao sustento do advogado e de sua família” [13].

O tratamento é consentâneo com a Súmula Vinculante nº 47 [14], nascida da premissa “de que os honorários advocatícios são dotados de caráter alimentício” [15], cuja orientação permite a expedição de precatório em separado para pagamento dos honorários, a despeito de a jurisprudência do STF ter retirado do âmbito de sua aplicação a parcela atinente aos contratuais (o que não influi, de qualquer modo, no reconhecimento da natureza alimentar da verba) [16].

Destaque-se, ainda, que os honorários, por força do que dispõe o caput do artigo 24 da Lei nº 8.906/94 [17], são tratados no âmbito falimentar como crédito privilegiado, no mesmo nível dos créditos trabalhistas, em virtude de sua natureza resultante do trabalho humano [18]. Tal equiparação também se aplica “em sede de execução fiscal” [19]. Daí porque ambas as turmas de Direito Público do STJ vêm reconhecendo que os “honorários advocatícios estão incluídos na ressalva do artigo 186 do CTN” [20], por força do qual gozam de preferência em relação aos créditos tributários.

Tudo isso revela que o destaque dos honorários contratados pela parte e devidos ao advogado da causa prevalece sobre a penhora efetivada antes ou depois para resguardar crédito tributário, até porque a remuneração do advogado sequer é suscetível de penhora para garantia de dívidas em nome do próprio causídico, nos termos e limites previstos no artigo 833, inciso IV, do CPC/15 [21] [22], o que dirá em relação a débitos de responsabilidade exclusiva de seu cliente.

Conclusão

O artigo 22, §4º, da Lei nº 8.906/94 não se limita a operacionalizar o levantamento, em separado, dos honorários contratuais. É muito mais do que isso. É regra de Direito material que protege a verba devida ao advogado, segregando-a, ab initio, do patrimônio da parte constituinte.

A partir do momento em que o STJ e o STF reconheceram a natureza alimentar dos honorários contratuais equiparando-os aos créditos trabalhistas, a correta intepretação do artigo 186 do CTN, em cotejo com a legislação processual, em especial o artigo 908, caput, e §2º do CPC, conduz ao entendimento de que não é cabível a penhora no rosto dos autos sobre a parcela do valor depositado pela parte constituinte, ou em favor dela, que diz respeito aos honorários contratuais, independentemente do estágio processual do feito.

A parcela dos honorários devida ao advogado, portanto, não se sujeita à penhora para pagamento de dívida exclusiva da parte constituinte em face da Fazenda Pública. Tal constatação independe do momento em que o respectivo instrumento contratual for juntado aos autos, devendo o advogado, de qualquer modo, apresentá-lo na primeira oportunidade, a fim de preservar com maior eficácia a implementação do seu direito assegurado em lei.

 

[1] “Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor.”

[2] Resoluções nºs 115/2010; 123/2010; 145/2012.

[3] Nesse sentido: AgInt no AREsp 912623/RJ, 1ª Turma, DJe 03/08/2020; AgInt no REsp 1825110/RS; 1ª Turma, DJe 22/05/2020; AgInt no AREsp 1243515/RJ, 1ª Turma, DJe 25/06/2020; AgInt no REsp 1668969/PB, 2ª Turma, DJe 12/09/2019.

[4] REsp 1877649/RS, Rel. Minº Og Fernandes, j. 17/08/2020; REsp 1862476/RS, Rel. Minº Herman Benjamin, j. 19/04/2020; AgRg nos EDcl no AREsp 647.094/SC, 3ª Turma, j. 07/11/2017; AgInt no REsp 1427331/RS, 4ª Turma, j. 08/03/2018.

[5] REsp 159.930/SP, Rel. Minº Ari Pargendler, j. 16/06/2003.

[6] “Essa Corte de Justiça entende ser pacífica a necessidade de pluralidade de penhoras sobre o mesmo bem para que seja instaurado o concurso de preferências. Precedentes: AgInt no REsp. 1.436.772/PR, Rel. Minº OG FERNANDES, DJe 18.9.2018; AgInt no REsp. 1.318.181/PR, Rel. Minº LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 24.8.2018. (AgInt no REsp 1603324/SC, Rel. Minº Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, j. 29/04/2019).

[7] Sobre o tema, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery anotam: “A prioridade temporal da penhora só gerará para o credor o direito de preferência se não existir, para ser solvido, um crédito mais graduado por força da lei. (Mello Filho. Apontamentos sobre a penhora no Código de Processo Civil, RF 247/419). Em Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 1989.

[8] AgInt no REsp 1328688/PR, Rel. Minº Lázaro Guimarães, 4ª Turma, j. 18/09/2018.

[9] RE 470.407/DF, Rel. Minº Marco Aurélio, 1ª Turma, j. 09/05/2006. No mesmo sentido: RE 146318-0/SP, Rel. Minº Carlos Velloso, 2ª Turma, j. 13/12/1996.

[10] EREsp 724.158/PR, Rel. Minº Teori Zavascki, Corte Especial, j. 20/02/2008.

[11] EREsp 647.283/SP, Rel. Minº José Delgado, 1ª Seção, j. 14/05/2008.

[12] Vide, por exemplo, RE 143.802-9/SP, Rel. Minº Sydney Sanches, 1ª Turma, j. 03/11/1998.

[13] AgRg no REsp 1557137/SC, Rel. Minº Mauro Campebell Marques, 2ª Turma, j. 27/10/2015.

[14] “Os honorários advocatícios incluídos na condenação ou destacados do montante principal devido ao credor consubstanciam verba de natureza alimentar cuja satisfação ocorrerá com a expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, observada ordem especial restrita aos créditos dessa natureza.

[15] RE 564.132/RS, Rel. Minº Eros Grau, Pleno, j. 30/10/2014, submetido ao regime da repercussão geral.

[16] Vide, por exemplo, RE 968.116 AgR, 1ª Turma, j. 04/11/2016 e RE 1.094.439 AgR, 2ª Turma, j. 19/03/2018.

[17] “A decisão judicial que fixar ou arbitrar honorários e o contrato escrito que os estipular são títulos executivos e constituem crédito privilegiado na falência, concordata, concurso de credores, insolvência civil e liquidação extrajudicial.

[18] Os créditos resultantes de honorários advocatícios têm natureza alimentar e equiparam-se aos trabalhistas para efeito de habilitação em falência, seja pela regência do Decreto-Lei nº 7.661/1945, seja pela forma prevista na Lei nº 11.101/2005, observado, neste último caso, o limite de valor previsto no artigo 83, inciso I, do referido diploma legal.”(REsp 1.152.218/RS, Rel. Minº Luis Felipe Salomão, Corte Especial, j. 09/10/2014, submetido ao rito do artigo 543-C do CPC/1973).

[19] EDcl nos EREsp 1.351.526, Rel. Minº Mauro Campbell, Corte Especial, j. 20/03/2015.

[20] REsp 1.812.770/RS, Rel. Minº Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 14/10/2019. No mesmo sentido: REsp 1.749.491/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 19/11/2018 e REsp 1.133.530/SC, Rel. Minº Sério Kukina, 1ª Turma j. 25/06/2015.

[21] “Artigo 833 — São impenhoráveis: (…) IV – os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º;

[22] Com exceção às prestações alimentícias e aos valores de remuneração acima de 50 salários-mínimos mensais, conforme o §2º do mesmo artigo.

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