O Supremo Tribunal Federal decidiu, na última quarta-feira (5/8), que o advogado não pode abandonar o processo penal sem pagar multa. Os ministros entenderam, com base na Constituição, que o advogado é essencial à Justiça e só deve deixar o caso quando “substabelecer o mandato” a outro colega. A decisão provocou uma discussão sobre a restrição de liberdade do advogado de decidir se quer advogar ou não em um processo penal.
Veja o que pensam os advogados:
Fernanda Tórtima, sócia do Bidino & Tórtima Advogadose ex-Presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB/RJ:
“Entendo estarem com a razão os julgadores que ficaram vencidos. O fundamento contundente em favor da inconstitucionalidade do artigo 265, do CPP, é o fato de que ali se estabelece sanção sem processo. A sanção para abandono de causa indevida – e ela é indevida quando violado o que determina o artigo 112 e respectivos parágrafos do CPC – está prevista nos artigos 34, inciso XI; 36, inciso I e 37, inciso II, do, todos do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94), e consiste em censura e até mesmo suspensão, em caso de reincidência.”
Daniel Gerber, advogado criminalista com foco em compliance político e empresarial:
“É correta a multa por abandono de causa, desde que a interpretação do que se denomina “abandono” seja restritiva. Se a advocacia está como serviço essencial à sociedade, inclusive com espaço próprio na Constituição, sem dúvida, deve, também, entender e arcar com os ônus de tal destaque. Dentre eles, o de não deixar que um cidadão simplesmente descubra, após entregar sua liberdade nas mãos de um profissional que lhe garantiu a prestação do serviço, estar sem defesa. Assim, se for comprovado que o advogado fez contato com seu constituinte para lhe informar da impossibilidade de permanecer na causa, não haverá abandono algum, motivo pelo qual a decisão do STF não restringe o direito de livre contratação, apenas adequando-o ao mínimo de moralidade que deve reger as relações profissionais”.
Cecilia Mello, sócia do Cecilia Mello Advogados, especialista em direito administrativo e penal, atuou por 14 anos como juíza federal no TRF-3:
“Nos termos do art. 45 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal, o advogado poderá, a qualquer tempo, renunciar ao mandato, provando que cientificou o mandante a fim de que este nomeie substituto. Durante os 10 dias seguintes, o advogado continuará a representar o mandante, desde que necessário para Ihe evitar prejuízo. O Estatuto da Advocacia (Lei 8906/94) também é expresso no §3º, do seu artigo 5º, no sentido de que “o advogado que renunciar ao mandato continuará, durante os dez dias seguintes à notificação da renúncia, a representar o mandante, salvo se for substituído antes do término desse prazo”.
“Assim, sendo o advogado indispensável à administração da Justiça (art.133 CF), também tem o múnus de manter e preservar as melhores condições para que essa mesma Justiça possa ser aplicada. Veja que a multa por abandono processual apenas vem sendo aplicada em casos bastante particulares onde o advogado, por evidente desídia ou com o nítido objetivo de provocar tumulto processual, abandona o patrocínio da causa, de forma direta ou indireta, sem qualquer justificativa plausível para tal.”
Marcelo Leal, advogado criminalista e sócio de Marcelo Leal Advogados:
“A decisão do Supremo se choca com o disposto no inciso XII, do art. 5º, da Constituição Federal, que estabelece que ‘é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício, ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer’. É certo que o advogado é essencial à administração da Justiça, mas isso não lhe pode trazer um ônus limitador de sua liberdade de atuação, liberdade essa que não simplesmente o protege, mas, antes, garante a boa defesa do cidadão no processo penal. A inação punível é apenas aquela eivada de dolo e para ser aplicada alguma sanção é necessário que se garanta ao causídico o direito de defesa e o devido processo legal”.
Carolina Dantas, advogada da equipe penal de Fidalgo Advogados:
“Não é possível concordar com a recente declaração de constitucionalidade do artigo 265 do CPP, prevendo aplicação de multa a advogado que, sem motivo importante e comunicação prévia ao juiz, abandone o processo. Porque a aplicação desse preceito violaria normas do Código de Ética da OAB, do Estatuto da OAB — uma lei federal — e da Constituição Federal, que prevê a advocacia como uma das funções essenciais à Justiça”, alerta a advogada”
Jessica Lima, advogada da equipe penal de Fidalgo Advogados:
“O próprio Estatuto da OAB já prevê esse comportamento como infração disciplinar. Além disso, o dispositivo do CPP é igualmente problemático na definição de o que seria motivo importante o suficiente para punir um advogado. Isso macula o livre exercício da profissão.”
Almino Afonso Fernandes, advogado constitucionalista e sócio do escritório Almino Afonso & Lisboa Advogados Associados:
“Me parece uma ingerência no livre exercício da advocacia. A advocacia é uma profissão independente e autônoma, não se sujeitando a qualquer controle jurisdicional, sendo somente submetida ao escrutínio da Ordem dos Advogados do Brasil. Portanto, tal decisão fere de morte o livre exercício profissional, consagrado pela Constituição e garantido pelo Estatuto da Advocacia.”
Mayra Maloffre Ribeiro Carrillo, especialista em Direito Penal Econômico e Europeu e sócia do Damiani Sociedade de Advogados:
“A cominação da pena de multa para o defensor que abandona o processo retira da profissão de advogado o espaço de liberdade assegurado pelo art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal. A norma constitucional tutela o livre exercício profissional ou do trabalho, abrangendo também as escolhas associadas ao exercício da profissão, daí a inconstitucionalidade da multa imposta. Outro ponto nefasto do dispositivo é que a aplicação da multa fica exclusivamente ao arbítrio do juiz, inobservando o mandamento constitucional do devido processo legal, sem que exista possibilidade de defesa pelo advogado”.
“Naturalmente, não defendemos aqui que a irresponsabilidade e o descomprometimento do profissional acarretem eventual prejuízo ao cliente. Nesse particular, é importante destacar que havendo dolo ou má-fé, devem ser atribuídas as consequências legais devidas. Para tanto, o ordenamento pátrio dispõe dos meios devidos para verificação de responsabilidades pelo mau exercício profissional, tanto no âmbito do Judiciário, quanto no da entidade de classe, havendo previsão de sanções civis e disciplinares, além de eventuais reparações de danos que deverão ser aplicadas em cada caso.”