Notícias

Advogados analisam se decisão do STF restringe exercício da profissão

Profissional não poderá deixar o processo penal sem pagar multa

7 de agosto de 2020

O Supremo Tribunal Federal decidiu, na última quarta-feira (5/8), que o advogado não pode abandonar o processo penal sem pagar multa. Os ministros entenderam, com base na Constituição, que o advogado é essencial à Justiça e só deve deixar o caso quando “substabelecer o mandato” a outro colega. A decisão provocou uma discussão sobre a restrição de liberdade do advogado de decidir se quer advogar ou não em um processo penal. 

Veja o que pensam os advogados:

Fernanda Tórtima, sócia do Bidino & Tórtima Advogadose ex-Presidente da Comissão de Prerrogativas da OAB/RJ:

“Entendo estarem com a razão os julgadores que ficaram vencidos. O fundamento contundente em favor da inconstitucionalidade do artigo 265, do CPP, é o fato de que ali se estabelece sanção sem processo. A sanção para abandono de causa indevida – e ela é indevida quando violado o que determina o artigo 112 e respectivos parágrafos do CPC – está prevista nos artigos 34, inciso XI; 36, inciso I e 37, inciso II, do, todos do Estatuto da OAB (Lei 8.906/94), e consiste em censura e até mesmo suspensão, em caso de reincidência.”

Daniel Gerber, advogado criminalista com foco em compliance político e empresarial:

“É correta a multa por abandono de causa, desde que a interpretação do que se denomina “abandono” seja restritiva. Se a advocacia está como serviço essencial à sociedade, inclusive com espaço próprio na Constituição, sem dúvida, deve, também, entender e arcar com os ônus de tal destaque. Dentre eles, o de não deixar que um cidadão simplesmente descubra, após entregar sua liberdade nas mãos de um profissional  que lhe garantiu a prestação do serviço, estar sem defesa. Assim, se for comprovado que o advogado fez contato com seu constituinte para lhe informar da impossibilidade de permanecer na causa, não haverá abandono algum, motivo pelo qual a decisão do STF não restringe o direito de livre contratação, apenas adequando-o ao mínimo de moralidade que deve reger as relações profissionais”.

Cecilia Mello,  sócia do Cecilia Mello Advogados, especialista em direito administrativo e penal, atuou por 14 anos como juíza federal no TRF-3:

“Nos termos do art. 45 do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal, o advogado poderá, a qualquer tempo, renunciar ao mandato, provando que cientificou o mandante a fim de que este nomeie substituto. Durante os 10 dias seguintes, o advogado continuará a representar o mandante, desde que necessário para Ihe evitar prejuízo. O Estatuto da Advocacia (Lei 8906/94) também é expresso no §3º, do seu artigo 5º, no sentido de que “o advogado que renunciar ao mandato continuará, durante os dez dias seguintes à notificação da renúncia, a representar o mandante, salvo se for substituído antes do término desse prazo”. 

“Assim, sendo o advogado indispensável à administração da Justiça (art.133 CF), também tem o múnus de manter e preservar as melhores condições para que essa mesma Justiça possa ser aplicada. Veja que a multa por abandono processual apenas vem sendo aplicada em casos bastante particulares onde o advogado, por evidente desídia ou com o nítido objetivo de provocar tumulto processual, abandona o patrocínio da causa, de forma direta ou indireta, sem qualquer justificativa plausível para tal.”

Marcelo Leal, advogado criminalista e sócio de Marcelo Leal Advogados:

“A decisão do Supremo se choca com o disposto no inciso XII, do art. 5º, da Constituição Federal, que estabelece que ‘é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício, ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer’. É certo que o advogado é essencial à administração da Justiça, mas isso não lhe pode trazer um ônus limitador de sua liberdade de atuação, liberdade essa que não simplesmente o protege, mas, antes, garante a boa defesa do cidadão no processo penal. A inação punível é apenas aquela eivada de dolo e para ser aplicada alguma sanção é necessário que se garanta ao causídico o direito de defesa e o devido processo legal”.

Carolina Dantas, advogada da equipe penal de Fidalgo Advogados:

“Não é possível concordar com a recente declaração de constitucionalidade do artigo 265 do CPP, prevendo aplicação de multa a advogado que, sem motivo importante e comunicação prévia ao juiz, abandone o processo. Porque a aplicação desse preceito violaria normas do Código de Ética da OAB, do Estatuto da OAB — uma lei federal — e da Constituição Federal, que prevê a advocacia como uma das funções essenciais à Justiça”, alerta a advogada”

Jessica Lima, advogada da equipe penal de Fidalgo Advogados:

“O próprio Estatuto da OAB já prevê esse comportamento como infração disciplinar. Além disso, o dispositivo do CPP é igualmente problemático na definição de o que seria motivo importante o suficiente para punir um advogado. Isso macula o livre exercício da profissão.”

Almino Afonso Fernandes, advogado constitucionalista e sócio do escritório Almino Afonso & Lisboa Advogados Associados:

“Me parece uma ingerência no livre exercício da advocacia. A advocacia é uma profissão independente e autônoma, não se sujeitando a qualquer controle jurisdicional, sendo somente submetida ao escrutínio da Ordem dos Advogados do Brasil. Portanto, tal decisão fere de morte o livre exercício profissional, consagrado pela Constituição e garantido pelo Estatuto da Advocacia.” 

Mayra Maloffre Ribeiro Carrillo, especialista em Direito Penal Econômico e Europeu e sócia do Damiani Sociedade de Advogados:

“A cominação da pena de multa para o defensor que abandona o processo retira da profissão de advogado o espaço de liberdade assegurado pelo art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal. A norma constitucional tutela o livre exercício profissional ou do trabalho, abrangendo também as escolhas associadas ao exercício da profissão, daí a inconstitucionalidade da multa imposta. Outro ponto nefasto do dispositivo é que a aplicação da multa fica exclusivamente ao arbítrio do juiz, inobservando o mandamento constitucional do devido processo legal, sem que exista possibilidade de defesa pelo advogado”. 

“Naturalmente, não defendemos aqui que a irresponsabilidade e o descomprometimento do profissional acarretem eventual prejuízo ao cliente. Nesse particular, é importante destacar que havendo dolo ou má-fé, devem ser atribuídas as consequências legais devidas. Para tanto, o ordenamento pátrio dispõe dos meios devidos para verificação de responsabilidades pelo mau exercício profissional, tanto no âmbito do Judiciário, quanto no da entidade de classe, havendo previsão de sanções civis e disciplinares, além de eventuais reparações de danos que deverão ser aplicadas em cada caso.”

Notícias Relacionadas

Notícias

CGU abre processo contra professores que criticaram Bolsonaro

Para especialista, reação do órgão estatal foi desproporcional