Por Renato de Mello Almada
Artigo publicado na ConJur
Foi recentemente noticiada nos meios especializados a concessão de divórcio unilateral, a pedido de uma mulher, sem que houvesse a citação do marido para responder aos termos da ação.
É de se festejar a decisão proferida pelo magistrado Paulo Lúcio Nogueira Filho, da 1ª Vara da Família e Sucessões de São Paulo, uma vez que a concessão do divórcio unilateral não só assegura um direito da parte requerente, mas, também, serve para mitigar os sofrimentos dos sentimentos afetivos e emocionais das partes envolvidas na situação que leva ao pedido de dissolução do casamento.
A postergação dessa decisão, na maioria das vezes, leva ao aumento da animosidade do casal, com reflexos negativos para cada um deles, os filhos e todos que o rodeiam. Daí porque, estando fundamentado o pedido de concessão unilateral do divórcio, em tese não há razão para postergações desnecessárias.
Como é cediço, após o advento da Emenda Constitucional 66/2010, não há espaço para a interferência estatal na autonomia de vontade privada, principalmente no Direito de Família, o que autoriza a imediata dissolução do casamento pelo divórcio, sem que haja discussão acerca da motivação nem exigência de prévio período de separação.
Eventuais discussões a respeito de bens a serem partilhados podem ficar para outra oportunidade, não devendo isso servir de obstáculo para a decretação imediata do divórcio.
Com efeito, prevê o artigo 1.581 do Código Civil que “o divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens”. É o que também dispõe a Súmula 197 do Superior Tribunal de Justiça, largamente citada na jurisprudência. Nesse sentido, tome-se por empréstimo acórdão publicado no sítio eletrônico do IBDFAM:
“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA CONVERTIDA EM DIVÓRCIO DIRETO SEM PARTILHA DE BENS. AUSÊNCIA DE CONCORDÂNCIA EXPRESSA DO DIVORCIANDO. POSSIBILIDADE DA PROVIDÊNCIA EM MOMENTO POSTERIOR. ART.1581 DO CÓDIGO CIVIL E SÚMULA 197 DO STJ.
ORIENTAÇÃO DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL. APELO IMPROVIDO.
O divórcio pode ser decretado sem que haja prévia partilha de bens, consoante dispõem expressamente o artigo 1581 do Código Civil e, ainda, a Súmula 197 do STJ.
A sentença atacada não merece qualquer reparo, ao acolher a pretensão do autor, ora apelado, e decretado o divórcio do casal, deixando a questão patrimonial para ser discutida em ação própria ou, mesmo, podendo ser resolvida de forma consensual.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº 0169250-38.2008.805.000, desta Comarca, em que figura, como apelante, M. P. da S. e, como Apelado, V. G. da S.
Acordam os Desembargadores componentes da Turma Julgadora da Segunda Câmara Cível, do Tribunal de Justiça da Bahia, por votação unânime, em negar provimento ao apelo, pelas seguintes razões: sem prejuízo da oportuna partilha de bens.
Razão não assiste à apelante, devendo ser mantida a sentença atacada.
A questão é simples, não merecendo maiores divagações.
A Emenda Constitucional nº 66/2010 instituiu o divórcio imediato, eis que deu nova redação ao parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição Federal, estabelecendo que ‘o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio’.
A redação anterior exigia, para a concessão do divórcio, a separação judicial por mais de um ano ou a separação de fato por mais de dois anos. Tais requisitos foram retirados da norma, o que indica a possibilidade de o cônjuge optar pelo divórcio direto quando não mais desejar permanecer casado.
É dizer, os requisitos temporais foram suprimidos pelo comando emanado no parágrafo 6º, do artigo 226, não havendo qualquer ressalva, condição ou providência. Então, deve se reconhecer sua eficácia plena e imediata.
Tangente à decretação do divórcio do casal, há anuência de ambas as partes, entretanto no que diz com a partilha dos bens adquiridos no curso do matrimônio, cujo rol foi apresentado pela ré/recorrente quando da sua defesa, não se verifica tenha ocorrido acordo de vontades, aliás o próprio autor/recorrido afirma, em sua inicial, a inexistência de bens a partilhar. Nesse sentido, não se tem como afirmar que a partilha se tornava obrigatória, pois, repita-se, quando do arrolamento dos bens apresentados pela apelante não houve concordância expressa do autor, não podendo se considerar que o seu silencio tenha efeito de anuência, tanto assim que, em suas contrarrazões, repele essa afirmação.
O enunciado da súmula 197, do Superior Tribunal de Justiça diz:
‘O divórcio direto pode ser concedido sem que haja previa partilha dos bens’.
O entendimento jurisprudencial foi positivado no artigo 1.581, do Novo Código Civil:
‘Artigo 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens’ recorrente a eventual discussão de bens em ação própria.
De modo que, a sentença atacada não merece qualquer reparo, ao acolher a pretensão do autor, ora apelado, e decretado o divórcio do casal, deixando a questão patrimonial para ser discutida em ação própria ou, mesmo, podendo ser resolvida de forma consensual.
À luz desse quadro, nega-se provimento ao apelo, mantendo-se a sentença por seus próprios e jurídicos fundamentos (Apelação n.º 0169250-38.2008.8.05.0001, Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, Segunda Câmara Cível, Relatora Desembargadora Lisbete M. T. Almeida Cezar Santos)”.
Nesse contexto, levando em consideração que o divórcio pode ser prontamente decretado sem a necessidade de maiores delongas, a doutrina e a jurisprudência pátrias passaram a admitir sua concessão em sede de tutela antecipada, valendo destacar as considerações de Mário Luiz Delgado ao comentar sobre o tema do Divórcio Judicial Litigioso (in, Tratado de Direito das Famílias/Rodrigo da Cunha Pereira — organizador —, 2ª edição. Belo Horizonte: IBDFAM, 2016, pág. 663):
“(…). A resposta, pelo acionado, ao pedido de divórcio é absolutamente inócua. Exatamente por isso, muitos juízes de Família costumam decretar o divórcio em tutela antecipada, sem sequer ouvir a parte contrária”.
Referido autor, no texto acima, destaca a seguinte nota:
“Pablo Stolze alude a divórcio liminar, ‘na medida em que se trata de providência que pode ser adotada no limiar do processo, ou sejam in limine litis. E não olvidamos que, em essência, trata-se da antecipação dos efeitos definitivos incontroversos da sentença, porquanto, como dito acima, por se tratar, o divórcio, de um direito potestativo, não haveria razão ou justificativa de mérito hábil a impedir a sua decretação. Nesse contexto, podemos concluir, então, ser juridicamente possível que o casal obtenha o divórcio mediante uma simples medida liminar, devidamente fundamentada, enquanto ainda tramita o procedimento para o julgamento final dos demais pedidos cumulados. Tal conclusão vai ao encontro dos princípios fundamentais do novo Direito de Família, na perspectiva sempre presente da dignidade da pessoa humana” (STOLZE, Pablo. Divórcio liminar. Jus Navigandi, Teresina, ano 19, n. 3.960)”.
Assim, considerando o direito inegável da parte à obtenção do divórcio imediato, o que foi conferido pela Emenda Constitucional nº 66/2010, mostra-se saudável até mesmo para amenizar eventual discussão a respeito de outros pontos, notadamente aqueles que envolvem questões patrimoniais, seja decretado de imediato o divórcio, mesmo não tendo a outra parte sido citada para a ação. Se um dos cônjuges não mais deseja a continuidade do casamento, não será a oposição da outra parte que impedirá a dissolução da união. Assim, decreta-se o divórcio e prossegue-se, conforme o caso, com as discussões referentes aos demais pontos a serem resolvidos.
De outra forma, como temos visto, as partes continuam litigando, ostentando a condição de casadas, sem que haja mais nenhum tipo de afeto e consideração entre o casal, o que, invariavelmente, cria para aquele que teve a iniciativa da ação a sensação de estar sendo privado do seu direito de se divorciar por mero capricho da outra parte. E isso, como dito, acirrará os ânimos em relação às demais questões que devem ser discutidas, prejudicando, no mais das vezes, os filhos, que nada têm a ver com o litígio dos pais.
Que essa recente decisão possa servir de reflexão para casos futuros, pois, salvo melhor juízo, no Estado de São Paulo, caso não seja a primeira, certamente é uma das poucas a conceder o divórcio unilateral. Outros Estados já o fizeram.
Renato de Mello Almada é advogado especialista em Direito de Família e sócio do escritório Chiarottino e Nicoletti Advogados