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PL transfere responsabilidade de denúncias para síndicos

Projeto obriga síndicos e moradores a delatar violência doméstica

13 de julho de 2020

Moradores e síndicos de condomínios poderão ser obrigados a informar casos de violência doméstica à Polícia. Projeto de lei sobre o tema foi aprovado em votação simbólica pelo Senado e agora segue para a Câmara dos Deputados.

Segundo o texto do senador Luiz do Carmo (MDB-GO), descumprida a obrigação, o administrador poderá ser destituído da função e multado. Ao mesmo tempo que recebeu elogios de especialistas, alguns advogados avaliam que o Projeto de Lei 2.510/2020 transfere responsabilidades e abre caminho para denúncias vazias.

Maristela Basso, professora de Direito Comparado e Internacional da USP, afirma que o projeto é bem-vindo “porque alarga, dentre outras importantes e esperadas inclusões no Código Civil e na Lei Maria da Penha, as hipóteses de tipificação dos crimes de omissão de socorro”.

“Na verdade, mesmo sem o projeto em questão, mas de forma menos evidente, todas as pessoas, nelas incluídas implicitamente, vizinhos, colegas, síndicos e condôminos comerciais e residenciais, sempre tiveram a obrigação de denunciar possível prática de crime, inclusive contra mulheres, menores e incapazes. Só não o faziam porque não tinham conhecimento de tratar-se de prática de crime por omissão, ou seja, um crime formal que, ao não se fazer nada, já se tem o nexo causal”, diz a advogada.

Maristela avalia que qualquer denúncia equivocada ou caluniosa deverá ser coibida pela polícia e pelo Poder Judiciário. “Anda bem o nosso Poder Legislativo quando responde correta e rapidamente aos anseios da população ou parte dela, especialmente daquelas 500 mulheres agredidas a cada hora no Brasil. No mesmo sentido vão as legislações dos países mais avançados do mundo”, conclui.

Daniel Gerber, advogado criminalista com foco em gestão de crises e compliance político e empresarial, considera o projeto um “verdadeiro absurdo”.

“Repassa ao particular obrigações típicas do poder público e, pior, através de pretensas obrigações que apenas estimulam o denunciador vazio e motivado por questões pessoais que não a prática de eventual delito. Mais uma vez o que se vê é um projeto de lei de cunho marcadamente ideológico e punitivista, utilizando como argumento de legitimidade uma pretensa proteção a determinados grupos sociais”, critica Gerber.

Juíza federal no TRF-3 por 14 anos, Cecilia Mello, sócia do Cecilia Mello Advogados, especialista em direito administrativo e penal empresarial, entende que, à medida que a conscientização sobre a gravidade da violência doméstica cresce, a sociedade vai encontrando novos caminhos para deter esse tipo de ilicitude.

“A individualidade domiciliar abre espaço para uma providência efetiva por parte da sociedade em relação aos crimes praticados no âmbito privado da residência. São crimes de ação pública e que, portanto, não dependem da representação da vítima. Ademais, essa efetividade do dever de denunciar, cujo desrespeito acarretará tipificação penal de omissão de socorro, seguramente trará resultados bastante positivos em termos de contenção da violência, evitando resultados mais trágicos e gravosos. Segue na mesma linha a proposta de aumento de pena para o delito de omissão de socorro de maneira a tornar esse dever ainda mais impositivo”, comenta Cecília.

Mayra Mallofré Ribeiro Carrillo, especialista em Direito Penal Econômico e Europeu e sócia do Damiani Sociedade de Advogados, recorre a um dito popular para discordar do projeto.

“De boas intenções, o inferno está cheio. O Estado não pode impor ao particular a função investigativa e repressora, cuja responsabilidade é exclusiva do Poder Público. Hoje, qualquer um do povo, inclusive a própria vítima, tem o direito de acionar a polícia e demais autoridades na hipótese de presenciar ocorrência criminosa”, afirma. Ainda segundo a advogada, a medida pode “burocratizar” a comunicação de crimes e ainda criar a figura do “tira predial”.

“Melhor é canalizar os recursos públicos para a prevenção, mediante conscientização e educação da população. Ademais, importante fortalecer os órgãos estatais já especializados no combate à violência doméstica. Afinal de contas, triste é a nação que prioriza, à revelia da Constituição, transformar o seu cidadão em espião delator a serviço do Estado”, finaliza Mayra Carrillo.

Na opinião de Benedito Cerezzo Pereira Filho, sócio de Marcelo Leal Advogados e professor de Direito Processual Civil na UNB, o projeto abre uma “excelente oportunidade de proteger os mais vulneráveis, dentre eles fisicamente, a mulher, a criança e os idosos”.

O advogado alerta que a medida ainda precisa ser melhor estruturada no âmbito criminal. “O Direito Penal não precisa descer até este nível de determinação de prisões, não há necessidade. O Direito Penal tem que vir no último caso, para aquelas questões extremamente graves. Ressalto que isso não retira o objetivo do projeto que é a proteção deste grupo de vulneráveis. Qualquer pessoa que tenha conhecimento de que outra está submetida a tratamento desumano ou agressão, seja ela física ou verbal, tem o dever e obrigação de comunicar. Se isso não acontece é necessário que se adeque para tal”, diz.

A advogada Marília Golfieri, coordenadora da área socioambiental e pro bono do WZ Advogados, defende a discussão pública e coletiva sobre o combate à violência praticada no âmbito doméstico, mas teme a transferência de responsabilidade.

“É necessário que a gente tenha cuidado ao avaliar iniciativas como o PL 2.510/2020 para que não haja uma transferência ao particular de uma obrigação que é efetivamente do poder público. Isto é, sem dúvida o envolvimento da sociedade se mostra necessário, visto que a violência doméstica é também um problema estrutural, mas o dever de fiscalizar e investigar tais casos, principalmente quando a violência é flagrante, deve envolver as autoridades públicas, até para se garantir a segurança de todos”, analisa Marília.

A advogada destaca que há ainda certa resistência de as pessoas se envolverem na vida umas das outras, ainda mais em pontos sensíveis como esses, quando o próprio vizinho pode efetivamente correr risco se decidir se envolver com o agressor.

“Há relatos de clientes que atendemos no WZ Social nos quais foi feita a denúncia pelo 180 por vizinhos, mas que foi negado atendimento porque os próprios teriam que comparecer à unidade juntamente com os policiais. Ou seja, o medo pode ser também um limitador da ação e pode ser que somente a presença da polícia, na emergência, é que resolva”, conclui.

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