O presidente Jair Bolsonaro sancionou na última segunda-feira (6), com uma série de vetos, a MP 936. O dispositivo permite a suspensão de contratos de trabalho e redução de jornadas e salários. Empresários esperavam que os efeitos da medida fossem estendidos até o fim do ano que vem, mas o governo federal rejeitou a prorrogação.
Ao Estadão, advogados analisaram os principais pontos da MP. Antonio Carlos Aguiar, especialista em Direito do Trabalho e sócio do Peixoto & Cury Advogados, afirma que o texto sancionado pelo presidente da República criou uma ‘estabilidade diferenciada’. Ele destaca alguns aspectos importantes ‘para possíveis, eventuais e futuras tomadas de decisões’. “Primeiro: há uma lei específica tratando das pessoas PCD (Portadoras com Deficiência). É a Lei 13.146, de 06 de julho de 2015. A lei tem o objetivo de criar uma espécie de discriminação positiva, com ações afirmativas, no intuito de garantir condições de igualdade, uma inclusão social e exercício de cidadania”, diz.
Além da igualdade de oportunidades previstos em lei, há o sistema de cotas previsto na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. A dúvida que persiste, segundo ele, é justamente aquilo que a legislação impõe à efetividade do reconhecimento inclusivo dos PCD, qual seja, a ‘igualdade de oportunidades com as demais pessoas’. “Estariam as demais pessoas preservadas e/ou com mais condições de enfrentamento da crise social e econômica vivenciada em tempos de pandemia, na verdade de estado de calamidade pública reconhecida por decreto legislativo (de número 6), do que as PCD? Se a resposta for afirmativa, há de ser fundamentada: por quê? Qual o racional utilizado para tanto? Quais as justificativas técnicas e/ou sociais para isso? E mais: estariam as PCD (de maneira geral) incluídas no chamado grupo de risco? Muito provavelmente, em um bom número. Dessa forma, por que teriam um tratamento privilegiado frente aos demais componentes deste grupo, que, diante da necessidade de isolamento social estariam vulneráveis à demissões e dificuldades de recolocação profissional? O assunto ainda deve render muita discussão. Por isso, deve ser analisado caso a caso para uma decisão mais acertada à situação”.
Segundo Vanessa Affonso, advogada trabalhista na banca Chiarottino e Nicoletti Advogados, um dos trechos mais importantes incluídos no texto pelo Congresso foi a possibilidade de, por meio de ato do Poder Executivo — um decreto presidencial, por exemplo —, haver prorrogação dos prazos máximos de redução de jornada e salários, bem como da suspensão do contrato de trabalho. “Segundo o novo texto, tal prorrogação poderá ser adotada, desde que observado o período de calamidade pública, previsto para durar até 31 de dezembro deste ano, nos termos do Decreto Legislativo nº 6/2020. A Secretaria Especial de Previdência Trabalho divulgou que o programa deve, sim, ser prorrogado pelo presidente, sendo autorizada suspensão do contrato por mais dois meses e a redução de jornada e salário por mais um mês”, afirma a advogada.
No entanto, ela destaca que a previsão é de que a prorrogação das medidas não seja automática. “Será necessário que empresa e trabalhador firmem um novo acordo para tanto, mantendo-se, no entanto, a prerrogativa de estabilidade no emprego pelo mesmo prazo da aplicação das medidas”, afirma.
A MP agora sancionada também prevê que a suspensão ou redução salarial poderá ser aplicada por meio de acordo individual com empregados que têm curso superior e recebem salário igual ou inferior a R$ 2.090,00 — antes era três salários mínimos (R$ 3.135,00) — ou mais de dois tetos do benefício previdenciário pago pelo INSS, o que significa salários acima de R$ 12.202,12. Trabalhadores que recebam salários entre R$ 3.135,00 e R$ 12.202,12 só poderão ter os salários reduzidos mediante acordo coletivo, ou por acordos individuais desde que não haja prejuízo financeiro para o empregado.
Os vetos presidenciais ainda poderão ser analisados pelo Congresso, eles precisam de maioria absoluta da Câmara e do Senado para que sejam derrubados.
Na avaliação de Wilson Sales Belchior, sócio de Rocha Marinho e Sales Advogados e conselheiro federal da OAB, a conversão em lei aumenta a importância da MP 936 ‘quando se observa a estipulação de fases para flexibilização das medidas de isolamento social, permitindo às empresas maior espaço para planejamento estratégico e avaliação do momento mais adequado para retomada das atividades’. Belchior destaca, na redação da lei, a possibilidade de cancelamento de aviso prévio em curso por acordo entre as partes; as regras de interpretação para eventuais conflitos entre as disposições de acordos individuais firmados anteriormente à celebração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho; e a norma aplicável aos acordos firmados na vigência da MP. “É importante, além disso, acompanhar a possibilidade de prorrogação pelo Poder Executivo através de regulamento do prazo máximo das medidas que integram o Programa Emergencial”, conclui.
Poliana Banqueri da Silva Guimarães, especialista em Direito do Trabalho do Peixoto & Cury Advogados, considera que a lei trouxe relevantes alterações na lógica das medidas de suspensão temporária de contrato de trabalho e redução parcial de jornada de trabalho, com impacto, sobretudo, para as empresas com Receita Bruta superior a R$ 4,8 milhões em 2019.
A advogada afirma que para esse grupo de empresas, o patamar salarial para as negociações individuais terá limite em R$ 2.090 (a MP previa R$ 3.135). “Isso significa que as empresas devem negociar com o sindicato para aplicação das medidas a esses empregados. Por outro lado, a lei trouxe uma novidade para todas as empresas com a possibilidade de negociar individualmente, para todos os patamares salariais, reduções de salário e jornada maiores (50 e 70%) ou suspensão de contrato de trabalho, desde que a empresa garanta o salário já pelo empregado na soma de todos os pagamentos. Além disso, a medida passa a ser aplicada aos aposentados, desde que a empresa garanta o valor do BEm (Benefício Emergencial)”, explica.
A especialista qualifica como ‘interessante’ a previsão trazida expressamente pela lei que permitia a utilização de meios eletrônicos para formalizar a negociação. “Já era uma alternativa mas, agora, a lei prevê expressamente. Quanto às gestantes, a lei determina que a garantia de emprego pela aplicação das medidas tem sua contagem iniciada após a garantia de emprego prevista no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e as medidas serão interrompidas em caso de início de licença maternidade. Por fim, mas não menos importante, a lei inova ao trazer nas últimas disposições uma garantia provisória de emprego às Pessoas com Deficiência, vedando a dispensa desses profissionais enquanto durar o estado de calamidade pública, sem distinguir se a previsão se aplica apenas às empresas que se utilizaram das medidas emergenciais ou a todas as empresas”, diz Poliana.
Cristina Buchignani, sócia da área trabalhista do Costa Tavares Paes Advogados, afirma, por seu turno, que a legislação menciona que ato do Poder Executivo poderá prorrogar “o prazo máximo de redução de jornada e salário e suspensão do contrato de trabalho, respeitado o período de estado de calamidade pública, e na forma de regulamento que vier a ser editado. Todavia, até o presente momento, inexiste ato do Poder Executivo nesse sentido. Restou confirmado pela Lei nº 14020/2020 que a redução de jornada e salário e a suspensão do contrato de trabalho poderá ser instituída, também, por acordo ou convenção coletiva de trabalho, além do acordo individual, e que as medidas poderão ser adotadas por setores, departamentos, de forma parcial ou total em relação aos postos de trabalho. A lei estabeleceu que no caso da empregada gestante, a garantia provisória de emprego decorrente da redução de jornada e salário e suspensão do contrato de trabalho será contada a partir do término do período da garantia que vai desde a confirmação da gravidez e até cinco meses após o parto. Ainda nos termos da lei, a dispensa sem justa causa do empregado portador de deficiência não será permitida durante o estado de calamidade pública”.