Por Marcus Vinicius Macedo Pessanha*
Artigo publicado originalmente na ConJur
O alastramento da Covid-19 no Brasil, e em especial no Estado de São Paulo, encontra-se ligado a diversos fatores, cabendo algum destaque para a persistência de baixas taxas de isolamento social, uma das medidas de prevenção à circulação do novo coronavírus. Essa circunstância terminou por levar a um ponto limítrofe no qual os governos estaduais e municipais se encontraram diante de alguns obstáculos complexos.
Um dos desafios do combate à pandemia é a diminuição da circulação de pessoas nos espaços públicos, reduzindo as grandes aglomerações de forma a evitar medidas drásticas como o confinamento obrigatório (lockdown). A resistência da população ao isolamento social voluntário demandava a criatividade dos gestores públicos diante do ineditismo da situação, afinal de contas o Brasil não viveu as experiências pelas quais outros países já passaram.
Umas dessas medidas é a antecipação de feriados com vistas a produzir períodos prolongados de inatividade, com vistas a potencializar a redução da circulação de pessoas com o aumento dos índices de isolamento social.
Políticas públicas de saúde
Inicialmente busquemos compreender o que se entende por política pública em sua acepção mais lata, para a partir de então adentrar nas especificidades do segmento da saúde. Nesse diapasão, temos que o termo política pública possui alcance multidisciplinar, e cujo conteúdo variará de acordo com o conteúdo do que se estuda. A este respeito, um diálogo institucional entre juristas, economistas e políticos dificilmente levarão a um conceito único e uniforme de políticas públicas, sendo indispensável o estabelecimento de um corte metodológico para estabelecer um, entre vários, conceitos disponíveis para estas medidas de governo.
Portanto, a definição de uma política pública abrange um cenário amplo com atribuições administrativas delimitadas, o estabelecimento de princípios, diretrizes e regras próprias, ornando em alguns casos metas e resultados específicos. Isso constitui o cerne do que podemos chamar de políticas públicas, também conhecidas como normas-quadro ou leis-quadro.
As políticas públicas de saúde, por sua vez, abrangem as ações e programas da União Federal, dos Estados e dos municípios que buscam a prevenção e a cura de doenças dentro de um planejamento previamente estabelecido. O artigo 196 da Constituição Federal estabelece que a “saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Como exemplo de política pública de saúde temos o Sistema Único de Saúde (SUS), o qual possui vários programas específicos, tais como os bancos de sangue e a Farmácia Popular. Nesses casos é facilmente perceptível sua ligação com o enfrentamento de doenças e a manutenção da vida, mas e outras iniciativas como as antecipações de feriados?
Antecipação de feriados
Alguns Estados e municípios buscaram soluções não convencionais para a proibição de aglomerações nas vias públicas, praças, parques e praias. Fechamento de orlas com detenção dos recalcitrantes e fiscalização aérea com conscientização são algumas das medidas, às quais se somam a antecipação de feriados em todo o país.
Especificamente no Estado de São Paulo, houve a antecipação de diversos feriados que aconteceriam nos meses de maio, junho, junho, agosto, setembro e outubro de 2020 com vistas a criar um superferiado de quase uma semana, reduzindo a circulação de pessoas, buscando, assim, aumentar isolamento social e queda dos índices de contaminação pela Covid-19. Essa meta é importante, posto que no mês de maio de 2020 havia a ocupação de 91% dos leitos de UTI na rede pública de saúde, conjuntura deveras preocupante e que apontava para um provável colapso do sistema.
A criação de feriados não é matéria afeta ao juízo discricionário dos entes federativos, havendo um regime jurídico específico que estabelece uma distribuição de competências.
A Lei nº 9.093/1995 traz as regras de competência para a criação de feriados, e os divide em civis, declarados em lei federal, os da data magna do Estado, fixados em lei estadual, e os religiosos, declarados em lei municipal de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a sexta-feira da Paixão. Esse diploma legal traz as regras de competência para a criação de feriados.
Por sua vez, a Lei nº 12.345/2010 dispõe sobre a fixação de critérios para instituição de datas comemorativas, a afirmar que sua criação obedecerá ao critério da alta significação para os diferentes segmentos profissionais, políticos, religiosos, culturais e étnicos que compõem a sociedade brasileira.
Dessa forma, a criação de feriados não obedece ao arbítrio e à discricionariedade dos entes federativos, cabendo uma série de regras de competência e de distribuição de atribuições pelo significado da data festiva da qual não podem os gestores estatais se afastar.
Não podemos esquecer, ainda, que a criação e transferência de feriados não significa apenas o fechamento de comércio, escolas e escritórios. Há importantes implicações bancárias e financeiras a serem consideradas, com impacto na incidência de juros nas datas de vencimento de obrigações, bem como repercussões trabalhistas nas jornadas de empregados no regime celetista e junto aos servidores públicos. A modificação de feriados é medida que deve ser tomada após exame ponderado das circunstâncias e das vantagens e desvantagens que podem advir.
Em suma, temos, assim, que foi conferida competência específica para União Federal, Estados e municípios legislarem sobre feriados dentro dos espaços normativos que lhes fora atribuído pelo sistema jurídico.
Tais prerrogativas foram exercidas por diversos estados e municípios em todo o país, e a título ilustrativo abordaremos as iniciativas tomadas no âmbito do Estado e do município de São Paulo.
No nível municipal, foi aprovada a Lei nº 17.341, de 18 de maio, que em seu artigo 3º autoriza o Poder Executivo a antecipar feriados municipais por decreto durante o período de emergência da Covid-19. A disposição foi regulamentada pelo Decreto Municipal nº 59.450, de 18 de maio, que antecipou os feriados de c e do Dia da Consciência Negra para 20 e 21 de maio e declarou ponto facultativo nas repartições públicas municipais da administração direta, autarquias e fundações no dia 22 de maio.
Já no âmbito estadual, a Lei nº 17.264, de 22 de maio, alterou a data de comemoração do feriado de 9 de julho, medida que em conjunto com as tomadas pelo município, bem como com pontos facultativos e fins de semana, estabeleceu praticamente uma semana de inatividade, com intuito de reduzir a circulação e aumentar os índices de disseminação da Covid-19.
Acoplamento axiológico à Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020
No contexto de combate à Covid-19, foi promulgada a Lei nº 13.979/2020, que veicula as medidas de enfrentamento à pandemia buscando por meio de medidas de saúde pública e de gestão coletiva proporcionar as respostas mais adequadas aos riscos representados pelo novo coronavírus.
Não há nesse diploma legal qualquer dispositivo sobre a antecipação de feriados como medida complementar das políticas públicas de saúde de enfrentamento à expansão da Covid-19, mas há outras regras dignas de menção.
O artigo 2, I, por exemplo, traz uma definição de isolamento, a afirmar que se trata de separação de pessoas doentes ou contaminadas, meios de transporte, mercadorias ou encomendas postais afetadas, de outros, de maneira a evitar a contaminação ou a propagação do coronavírus, e o inciso II do mesmo artigo define quarentena como restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, ou de bagagens, contêineres, animais, meios de transporte ou mercadorias suspeitos de contaminação, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do vírus. O cerne das definições acima apresentadas se encontra nas restrições de pessoas com vistas a evitar a contaminação e a propagação do vírus.
Assim sendo, como a legislação específica de combate à Covid-19 aponta algumas das providências de combate ao coronavírus, tais como o isolamento e a quarentena, implicitamente confere ao poder público os meios para atingir essas metas. Contextualizando, assim, as aludidas medidas de antecipação de feriados com as orientações de redução das aglomerações e de redução do contágio, percebemos uma organicidade técnica e finalística nestes planos.
Conclusão
A guisa de conclusão, quaisquer medidas tomadas pelos governos federal, estadual e municipal, e que sejam voltadas para a redução do contágio, com a contenção da Covid-19 e a manutenção da vida, desde que atendidas as exigências legais, estão de acordo com o ordenamento jurídico, como é o caso da antecipação de feriados.
Marcus Vinicius Macedo Pessanha é advogado e sócio-coordenador da área de Direito Administrativo do escritório Nelson Wilians & Advogados Associados.