Com a recente comoção mundial em torno da morte do Papa Francisco, as atenções se voltam novamente ao Vaticano — o menor país do mundo e um dos mais complexos em termos jurídicos, simbólicos e fiscais. Além da importância espiritual, o Estado do Vaticano desperta curiosidade por ser um território onde, em regra, não se cobra imposto.
Segundo o advogado Carlos Crosara, especialista em direito tributário pela PUC/SP, mestre e doutorando em Direito Tributário pela USP, advogado do escritório Natal & Manssur Advogados, “o Vaticano não arrecada impostos como conhecemos em outros países. A renda vem principalmente do patrimônio imobiliário e de doações. Não há cobrança de IR, IPTU ou outros tributos sobre quem reside ou atua dentro do território, como os cardeais e o próprio Papa”. Essa imunidade está prevista desde o Tratado de Latrão, assinado com a Itália em 1929.
Mas essa isenção não é absoluta. “Existem situações — como propriedades fora do território e atividades comerciais — que podem ser tributadas, especialmente após decisões da Corte Europeia”, completa Crosara.
Essa estrutura singular também é analisada pelo tributarista Marcelo Costa Censoni Filho, especialista em Direito Tributário e CEO da Censoni Tecnologia Fiscal e Tributária. Para ele, a sustentação econômica do Vaticano sem impostos diretos se dá por fontes alternativas, como:
- Doações dos fiéis, como o tradicional Óbolo de São Pedro;
- Receitas de turismo religioso, que geram cerca de €130 milhões por ano com os Museus do Vaticano;
- Investimentos e imóveis, administrados pelo Banco do Vaticano (IOR), com mais de €5 bilhões em ativos sob gestão;
- Venda de selos, moedas e publicações oficiais.
Apesar da isenção fiscal interna, o Vaticano tem promovido ajustes recentes. Em 2025, por exemplo, o Papa Francisco determinou o fim de benefícios como aluguéis gratuitos a cardeais, exigindo o pagamento de valores de mercado. Também houve cortes salariais no clero, em uma tentativa de equilibrar as contas.
Censoni Filho destaca a comparação com o Brasil para ilustrar os extremos: “Enquanto o Vaticano arrecada cerca de 300 milhões de euros por ano sem tributar diretamente sua população — de aproximadamente 800 pessoas —, o Brasil atingiu em 2024 a marca de R$ 2,7 trilhões em arrecadação tributária federal. São modelos opostos.”
Ambos os especialistas alertam que o modelo vaticano é excepcional e não replicável. Sua viabilidade depende da fé, da relevância simbólica e de uma estrutura econômica baseada na ética e na transparência.