Opinião

A explosão de recuperações judiciais no agro

Brasil nunca passou por uma situação como a que vivemos agora no setor

Por Euclides Ribeiro S Junior*

O Brasil nunca passou por uma situação como a que vivemos agora no agronegócio. Os produtores do país entraram o ano de 2024 preocupados com o clima, preços de commodities em baixa e crédito caro. A tempestade perfeita se formou. O chão que pisamos está inóspito, mas protagonistas do agronegócio conhecem o terreno que plantam há muitos anos e sabem preparar terras mais férteis.

Houve aumento de 300% na quantidade de pedidos de recuperação judicial no agro entre janeiro e setembro do ano passado e o mesmo período de 2022, de acordo com dados da Serasa Experian.

Felizmente, ao longo dos anos, o Poder Judiciário firmou sólida jurisprudência, com discussão de doutrinas, melhorou-se a governança e houve rápido avanços nas leis. O Brasil tem uma história de progresso, com a participação de todos os protagonistas desse sistema econômico chamado agronegócio.

O sistema financeiro já se adaptou. As alienações fiduciárias completam junto às CPRs (Cédulas de Produto Rural) e aos CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) quase 100% das operações de crédito no agronegócio. Novas formas de gestoras foram criadas para buscar diminuir o spread e colocar o dinheiro diretamente dos investidores nas mãos dos produtores. Além disso, a concessão dos créditos passou a ser mais bem analisada e assim o mercado vai depurando e arrumando a economia.

O Poder Judiciário, que por natureza é conservador, agora reinventa-se com novas ferramentas de conciliação e resolução de conflitos em massa. O próprio produtor rural já tem grandes melhorias em gestão administrativa e comercial. As revendas, distribuidora e tradings, que sempre criticaram as recuperações judiciais, agora – se vendo na situação de crise – buscam negociar o mesmo remédio legal.

A única voz dissonante parece ser do Ministério da Agricultura e Pecuária. O ministro da pasta, Carlos Fávaro, mandou ofício ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para pedir medidas de contenção ao aumento do número de pedidos de recuperação judicial por parte de produtores rurais.

O ministro pediu a atuação do CNJ para oficiar aos juízes de primeiro grau que apliquem a lei de acordo com o entendimento dele, contendo possíveis excessos e interpretações erradas da lei, na crescente concessão de recuperações judiciais aos produtores rurais. Justo ele, quem deveria entender o problema por um espectro mais amplo.

O posicionamento do ministro interfere na distribuição de poderes, ao tratar do papel dos juízes em julgamentos. Aliás, essa ideia dele não encontra ressonância nem no próprio Estado de Mato Grosso, o celeiro do mundo.

Pandemia, crise hídrica, quebra de safra, desabastecimento de insumos, juros altos, Fiagros perdendo preço, e a culpa é de quem? Na visão dele, dos produtores rurais que teimam em defender as suas produções, seus nomes e seus patrimônios. Tudo isso feito através de pedidos de recuperação judicial, em vez de permitir uma quebradeira desenfreada e sem precedentes no campo.

É possível observar, ao longo dos anos, que o discurso das grandes corporações não muda. E, mais uma vez, o ministro ecoa a voz das multinacionais. Mas se o ministro se presta a interferir no livre convencimento de juízes de toda uma nação, por outro lado parece que o sistema judiciário está bem atento aos fatos sociais, fonte máxima material do Direito.

O debate é o mesmo de 10 anos atrás, já superado e totalmente consolidado. Vira e mexe, o argumento é o de que vai acabar o crédito no campo. Esse argumento terrorista já foi enterrado pelo Superior Tribunal de Justiça, pela lei, pelo sistema financeiro e pelo país. Basta ver que gestoras agora estão financiando exclusivamente quem entra com pedido de recuperação judicial.

E para o contentamento do sofrido agronegócio, justamente o atual destinatário do fadado ofício, relatou o voto que criou a recuperação judicial para o produtor rural. Em seu voto, que deu ao produtor rural o direito de fazer recuperação judicial, o atual presidente do CNJ, ministro Luís Felipe Salomão, perguntado se não estaria defendendo malabarismo jurídico, respondeu: “Malabarismo jurídico pra quem? Por que ângulo? Quem faz malabarismo jurídico parece ser as tradings e o sistema financeiro. Aqui estamos defendendo o direito do produtor rural, previsto em lei”. Parece que o ministro da Agricultura não está sintonizado com a estrutura do Poder Judiciário defendendo a lei e o direito do agronegócio.

É preciso agora trabalhar para encontrar as soluções econômicas, dentro da lei, e não fora dela. Ao longo de quase 20 anos, há valiosas lições de como fazer para dar certo. É preciso destacar que são 127 recuperações judiciais no ano de 2024 somente no agronegócio e as dívidas da safra nem começaram a vencer. É tempo de muito trabalho pela frente para, ao final, termos um sistema de financiamento mais limpo, produção menos endividada e risco/retorno melhor para quem fizer o dever de casa. Essa evolução natural não encontrará obstáculos em nenhum ofício ministerial que, tendo perdido o malabarismo jurídico, agora parece querer criar um malabarismo político.

*Euclides Ribeiro S Junior é advogado de Recuperação de Empresas no Agronegócio

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