Em caso de não comprovação de regularidade fiscal, o processo de recuperação judicial deve ficar suspenso até a apresentação do documento. Com esse posicionamento, em votação unânime, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) mudou o entendimento que liberava as empresas de apresentar certidão negativa de débitos fiscais (CND) para a homologação de plano.
No julgamento em questão, foi analisado o recurso especial de um grupo de empresas do segmento de eventos digitais, que estão em recuperação judicial (REsp 2.053.240). Na origem, em março de 2021, a 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca de São Paulo deliberou que, para que ocorresse a homologação do plano e concessão da recuperação judicial, cumpriria “à recuperanda juntar as certidões negativas de débitos tributários, conforme exige o art. 57 da Lei n. 11.101/2005, ou comprovar o parcelamento dos débitos tributários”, razão pela qual lhe conferiu o prazo de 30 (trinta) dias para o cumprimento de tal determinação, sob pena de extinção do processo (e-STJ, fl. 1.429)”.
No recurso, as empresas alegaram não haver fundamento jurídico que justificasse a pena de extinção do processo por ausência das certidões fiscais, “sobretudo em atenção a todos os esforços despendidos para a manutenção e reestruturação ao longo do processo de recuperação judicial”.
Princípio da função social
Segundo o artigo 57 da Lei de Recuperação Judicial, após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia-geral de credores, “o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários”. O artigo 47, da mesma lei, porém estabelece que a recuperação judicial deve promover “a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. Assim, durante anos, a jurisprudência do STJ era em sentido contrário à exigência dessas certidões negativas.
Agora, no entanto, o relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, afirmou em seu voto que dispensar a apresentação de certidões negativas de débitos fiscais (ou de certidões positivas, com efeito de negativa), em razão da aplicação dos princípios da função social e da preservação da empresa, seria um pretexto, “sobretudo após a implementação, por lei especial [nº 14.112], de um programa legal de parcelamento factível, que se mostrou indispensável a sua efetividade”.
Pela Lei 14.112/2020, citada por Bellizze, o juiz da execução fiscal foi autorizado a determinar atos de constrição sobre os bens da empresa em recuperação. E o juízo da recuperação, por sua vez, a determinar a substituição desses bens quando eles forem essenciais à manutenção da atividade empresarial. A nova lei ainda previu a possibilidade de transação tributária com condições atrativas, com redução de até 70% da dívida e até 100% de desconto sobre correção, juros, multa e encargos. E também instituiu prazos mais amplos para parcelamento, entre 145 e 120 meses.
Necessidade de lei específica
Bellizze também esclareceu que essa posição só é possível para o âmbito federal, uma vez que foi uma lei federal — a Lei 14.112/2020 — que criou as condições aptas a um efetivo programa de parcelamento dos débitos tributários e viabilizou a aplicação do artigo 57 da LRF.
Dessa forma, a exigência da regularidade fiscal em relação a débitos de titularidade da Fazenda Pública dos estados, do Distrito Federal e dos municípios vai depender da edição de lei específica dos referidos entes políticos, ainda que limitada a aderir aos termos da lei federal.