Opinião

A viabilidade da recuperação judicial do Grupo 123Milhas

Crise enfrentada pela empresa interfere diretamente na “roda da economia”

Por Giovanna Ramos Fachini e Luiza Haruko Ishie Macedo*

Seja pelas consequências jurídicas, econômicas ou políticas, o assunto mais comentado no noticiário brasileiro nos últimos dias é a recuperação judicial do Grupo 123Milhas e o cancelamento da emissão das passagens com previsão de embarque entre setembro e dezembro de 2023, adquiridas pelo programa “Promo 123Milhas”.

A crise enfrentada pelo Grupo interfere diretamente na “roda da economia”, especialmente na área do transporte aéreo e do turismo, afetando o microssistema consumerista.

Uma questão relevante a ser considerada no caso é a viabilidade de recuperação do Grupo.

Dentro do objetivo que é, permitir que a empresa siga em atividade, com fluxo de caixa apto a cumprir o plano de recuperação judicial, um dos benefícios do processo recuperacional é garantir que os ativos essenciais para manutenção da atividade da empresa sejam preservados, evitando a sua liquidação por credores. Neste ponto a recuperação judicial da 123Milhas é peculiar: praticamente não há ativos físicos a serem protegidos.

Ao deferir o processamento da recuperação judicial, o Juízo enfatizou que o mercado em que a 123Milhas opera é um dos que mais cresce e agrega valor econômico no mundo globalizado, sendo que, “a ausência de ativos físicos e robustos não pode ser considerada como empecilho para o processamento da recuperação judicial”.

A questão pode não ser um empecilho, mas deve ser considerada para a análise da viabilidade da recuperação judicial. Se a empresa não possui ativos físicos, a sua reputação no mercado é o principal ativo para que siga operando.

Ocorre que o cancelamento da emissão das passagens pela 123Milhas afetou direta e negativamente a relação de confiança entre consumidor-empresa, de modo que é muito incerto se o Grupo conseguirá retomar o prestígio que possuía.

A reestruturação faz sentido quando há uma perspectiva realista de que a empresa possa se recuperar financeiramente e continuar operando de forma sustentável. Será importante que o Grupo 123Milhas adote uma abordagem proativa, comunicando-se com os credores e clientes e oferecendo soluções alternativas para os problemas enfrentados.

A empresa precisa de um plano sólido para sair da crise financeira e continuar operando, mas, até o momento, o Grupo 123Milhas não sinalizou como construirá isso, de modo que caberá também aos credores e ao Judiciário acompanhar de perto as soluções a serem apresentadas.

As particularidades destacadas foram objeto de análise do Juízo que, ao deferir o processamento da recuperação judicial, se mostrou cauteloso, destacando que não está alheio às implicações criminais e administrativas que representa a recuperação judicial do Grupo, de modo que a boa-fé e transparência das recuperandas será ponto crucial para o sucesso do processo.

Ficou claro que, diante de qualquer fato que possa afastar a presunção de boa-fé, descumprimentos dos requisitos legais ou práticas inequívocas de ilícitos, “o juízo poderá utilizar dos instrumentos necessários para preservação e recuperação de ativos das empresas para garantia dos credores”.

Outros pontos positivos merecem destaque na decisão proferida em 31.08.2023. Verifica-se que o Juízo: determinou à Administração Judicial a apresentação de laudo de averiguação aprofundado e célere sobre a real situação das empresas, enfatizando que “o deferimento do processamento de uma recuperação judicial não é definitivo”; ressaltou que “estará em interlocução com as ações das autoridades públicas na esfera criminal e administrativa que se fizerem necessárias ao longo do processo recuperacional tanto no Brasil quanto no exterior”; observou que deverá ser concedida especial atenção aos consumidores, com a criação de plataforma de fácil acesso, com informações claras sobre o desenvolvimento da recuperação judicial; e destacou expressamente que adotará medidas que privilegiem os meios consensuais de resolução de conflito, como a mediação e arbitragem – inovações trazidas literalmente pela Lei 14.112/2020 e que se apresentam como procedimentos céleres e com menor custo. Essas medidas serão imprescindíveis, ainda mais considerando que, nesta recuperação judicial, há mais de 700 mil credores envolvidos.

Certamente, este será um processo de recuperação desafiador, que ainda não tem uma solução clara para retirar o Grupo de seu estado de crise. O cenário ideal é que essa solução seja construída com a participação de todos os players, que precisarão agir com extrema transparência. Eles devem negociar e utilizar estratégias que viabilizem a recuperação judicial do Grupo 123Milhas.

*Giovanna Ramos Fachini é especialista em Direito Empresarial pela UEL e Direito Civil pela UEM, advogada no Medina Guimarães Advogados no setor de recuperação de crédito, com ênfase em recuperação judicial.

Luiza Haruko Ishie Macedo é mestranda em Direito pela UFSC, especialista em Direito Civil e Empresarial pela PUC-PR, advogada no Medina Guimarães Advogados no setor de recuperação de crédito, com ênfase em fraudes patrimoniais.

Notícias Relacionadas

Opinião

‘Franquia’ da Lava Jato migra para Estados e municípios

É preciso entender limitações constitucionais de investigações

Opinião

O impacto da LGPD nas relações de trabalho

Desafio dos profissionais de RH se tornou muito maior