Recentemente, inúmeros vídeos de personalidades narrando suas próprias mortes têm circulado nas redes sociais. Em um vídeo postado, um homem narra o assassinato do jornalista Tim Lopes. A cena não foi protagonizada por ele, mas sim uma versão feita por inteligência artificial e faz parte de uma nova onda: a de recriar pessoas que foram assassinadas para narrar suas mortes.
Tudo é recriado. A voz e dicção ficam quase perfeitas. E até outros personagens entraram nessa onda sinistra, como a atriz Daniella Perez, morta pelo ator Guilherme de Pádua e sua então esposa Paula Thomaz em 1992, e a menina Isabella Nardoni, atirada pela janela de um apartamento em São Paulo pelo próprio pai, Alexandre Nardoni, e a madrasta, Anna Carolina Jatobá, em 2008, quando tinha 5 anos.
E a pergunta que vem à tona é: produzir e postar esse tipo de conteúdo é crime?
O advogado especialista em Propriedade Intelectual Amaury Marques explica que há dois direitos fundamentais em conflito: o direito da imagem versus a liberdade de expressão. “Neste caso, o canal conta a história da morte de determinadas personalidades, utilizando-se de elementos típicos da personalidade das próprias vítimas, como voz e imagem, sob a justificativa da liberdade de expressão e seguramente, direito à informação. Por óbvio tais direitos são constitucionais e não absolutos. Por certo que a utilização não autorizada da imagem e voz fere direito da personalidade, que é assegurada pelo artigo 5º, X, da CR, bem como, negar a exibição dos filmes, fere a liberdade de expressão garantida pelo artigo 5º, IV da CR”, explica.
Busca por likes
Amaury ainda questiona que para o pleno exercício da liberdade de expressão não se faz necessária a utilização de voz e imagem das vítimas. “A utilização de inteligência artificial ou outro meio capaz de simular imagem e vozes desautorizadas, não é elemento essencial para a plenitude da liberdade de expressão, trata-se de evidente apelo midiático implementado para atrair likes do que para informar ou se expressar livremente”, esclarece.
Dessa maneira, Marques deixa claro que não há qualquer brecha na Constituição que seja capaz de assegurar ao canal a manutenção de imagem e som das vítimas, violando assim o direito à personalidade.
Responsabilidade das redes sociais
Já quanto à responsabilidade das redes sociais na publicação deste tipo de conteúdo, Marques explica que a legislação brasileira ainda não está preparada para lidar com este tipo de situação. “Sem uma lei que lhes impute encargo, não vejo como exigir que, sem um comando judicial, que as redes sociais ou qualquer outro canal na internet sejam obrigados a retirar tais programas de sua grade. Veja-se que a Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet) precisamente em seu artigo 18 literalmente desonera o “provedor de internet” por conteúdos gerados por terceiros. E o artigo 19 da mesma legislação, reforça tal liberdade, asseverando que somente poderá haver responsabilização do provedor, após ordem judicial específica”, conclui.