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Mudanças no marco do saneamento levantam debate sobre segurança jurídica

Decretos do governo Lula provocaram mudanças na norma

14 de abril de 2023

Foto: José Cruz/Agência Brasil

O novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020) passou a obrigar que prestadoras de serviços comprovem condições para realizar os investimentos necessários. Entre os objetivos do marco, está a constituição de parcerias com a iniciativa privada para ampliar acesso aos serviços de água e esgoto. O prazo previsto para assegurar o acesso ao saneamento a toda a população é 2033. Hoje há cerca de 100 milhões de brasileiros sem coleta de esgotos e 35 milhões sem acesso à água tratada.

O tema, contudo, tem levantado debates na comunidade jurídica após o governo assinar, no dia 5 de abril, os Decretos 11.466/2023 e 11.467/2023, que alteram a norma. Na prática, as novas regras permitem que empresas estatais possam manter contratos sem licitação com municípios e acabam com o limite de 25% para a participação de parcerias público-privadas em concessões de saneamento, estabelecido pelo Marco Legal.

Marcos Meira, advogado e presidente da Comissão Especial de Infraestrutura da OAB, diz que “à luz da realidade, mostram-se razoáveis e prudentes as modificações”. Segundo ele, “são compreensíveis as críticas feitas às medidas do atual governo (que incluem a flexibilização de um conjunto de regras, viabilizando maior participação das empresas públicas no novo modelo e, de outro lado, a antecipação da avaliação do cumprimento de metas, que deixará de ser no quinto ano do contrato, como previsto anteriormente, passando já para o segundo ano do contratou) uma vez que, aparentemente, poderia postergar a almejada universalização dos serviços de saneamento”.

Apesar disso, segundo o advogado, “analisando-as como um todo, as modificações parecem acertadas em termos de adequação aos fatos e melhor atendimento dos interesses dos cidadãos.”

O advogado Enrique Tello Hadad, sócio do Loeser e Hadad Advogados, reforça que o novo Marco Legal do Saneamento trouxe diversas disposições inovadoras que visaram desenvolver e universalizar o saneamento no país, além de atrair investimentos privados para o setor. “Dentre suas principais disposições, o texto havia dado prazo para que as companhias de saneamento atuais comprovassem condições financeiras para fazer investimentos, além de vetar o fechamento de novos contratos sem licitação e extinguir os contratos considerados precários”.

O especialista pondera, contudo, que os recentes decretos assinados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva alteram algumas das premissas adotadas pela Lei do Saneamento (Lei 11.445/2007), podendo gerar um retrocesso ao novo Marco Legal, na medida em que: “a) voltam a flexibilizar a comprovação da situação econômico-financeira das empresas, que tinha sido estabelecida pelo Marco do Saneamento como forma de assegurar que as prestadoras do serviço teriam condições financeiras de fazer os investimentos necessários; b) alongam o prazo para a comprovação da capacidade financeira e técnica para os atuais contratos que haviam sido considerados irregulares e que deveriam sofrer nova licitação (contratos que estavam vencidos, precários ou irregulares quando a lei foi publicada poderão ser regularizados até 2025); c) preveem que as companhias públicas poderiam prestar serviços diretamente, sem concorrência, nos municípios organizados em região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião. Além disso, operações irregulares, como as sem contrato, teriam chance de ser formalizadas pelas companhias estatais. Essa prestação poderá ser feita mediante autorização da entidade do bloco regional.

Tello Hadad destaca, ainda, que os decretos acabaram causando insegurança jurídica; dificuldades adicionais para a regionalização e perpetuação de contratos irregulares. “Esses fatores somados significam prestação deficiente e irregular dos serviços e uma maior dificuldade na universalização da prestação de serviço de saneamento, que era a proposta inicial do novo Marco de Saneamento”, acrescenta.

Saneamento em números

Marcos Meira explica que, desde a entrada em vigor do novo Marco Legal do Saneamento, foram editados pelo ex-presidente Bolsonaro dois decretos para regulamentar seu texto. Um desses decretos estabeleceu a metodologia de comprovação da capacidade econômico-financeira das empresas de saneamento, que teriam que comprovar aptidão financeira para garantir a universalização do sistema, nos patamares previstos na lei (99% para a água e 90% para o esgoto), até o ano de 2033.

“Segundo estimativas, as exigências regulamentares inviabilizaram os contratos vigentes em cerca de 1.141 municípios, a maior parte de pequeno porte, de baixo IDH, localizados em estados do Norte e Nordeste do Brasil. De acordo com levantamentos, dentre as empresas estatais, quase nenhuma atenderia às exigências do regulamento para continuar prestando serviços de esgotamento sanitário e abastecimento de água”, avalia.

De acordo com ele, o prazo previsto naquele decreto para a comprovação da capacidade econômico-financeira já se esgotou, motivo pelo qual muitas das empresas que prestam serviços hoje estão a descoberto e teriam que sair dos municípios por não terem cumprido a legislação, prejudicando 1.200 municípios e mais de 30 milhões de pessoas, que ficariam de fora do novo modelo.

“Esse descompasso entre a exigência inicial e a incapacidade de atendimento por grande parte das empresas públicas estaduais, somado à natureza dos serviços em questão, que não admitem solução de continuidade, implica urgência para a revisão do decreto, seja para estender o prazo, seja para flexibilizar as regras de comprovação da capacidade econômico-financeira, criando mecanismos que permitam às empresas estaduais de saneamento se capitalizarem ou buscarem investimentos, para assim atenderem às exigências legais de universalização do serviço”, finaliza o advogado.

Foto: José Cruz/Agência Brasil

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