Por Rodrigo Ferrari Iaquinta*
Artigo publicado originalmente no Estadão
Após se espalhar pelo mundo, a pandemia de covid-19 chegou ao Brasil e é preciso serenidade e reflexão para o enfrentamento deste momento. A necessidade de isolamento e de respeito às medidas sanitárias impostas pelas autoridades geram, inevitavelmente, um efeito em toda a economia do país, de modo que não podia ser diferente com o mercado imobiliário.
A despeito das medidas que vêm sendo adotadas pelos bancos públicos e privados para tentar minimizar os impactos causados pela pandemia, a situação que vivemos pode acarretar atrasos e no comprometimento dos prazos para entrega de imóveis adquiridos ainda na planta.
O costumeiro “prazo de tolerância de 180 dias” para que as obras sejam finalizadas, o qual é aceito pela legislação brasileira, talvez seja insuficiente.
A situação evidenciada em virtude da covid-19 em nada se assemelha com àquela experimentada entre os anos de 2010 a 2013, período denominado de “boom” imobiliário brasileiro. Naquele momento, de fato houve uma certa aceleração do mercado imobiliário, seja pela facilidade na liberação de crédito, seja por um entusiasmo excessivo com a economia do país. Estes fatores, aliados a tantos outros, gerou um excesso de empolgação e um excesso de novos lançamentos imobiliários que ocasionaram numa escassez de matérias primas e insumos, falta de mão de obra qualificada, dentre outros problemas causadores de atrasos na entrega de empreendimentos.
Esta situação vivida no “boom”, inclusive, fez com que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo editasse a Súmula 161, a qual dispõe que: “Não constitui hipótese de caso fortuito ou de força maior, a ocorrência de chuvas em excesso, falta de mão de obra, aquecimento do mercado, embargo do empreendimento ou, ainda, entraves administrativos”. Essas justificativas encerram “res inter alios acta” em relação ao compromissário adquirente. Portanto, na visão do Judiciário, os problemas eram “risco do negócio”.
Pois bem. O mercado imobiliário, neste período pós “boom”, pós recessão e problemas com “distratos”, e de retomada do crescimento econômico do país, amadureceu e adotou inúmeras medidas justamente com o objetivo de evitar quaisquer atrasos na entrega de imóveis. As medidas surtiram efeito e atualmente este problema de atraso na entrega é muito raro.
Ocorre que a pandemia da covid-19 pode gerar uma série de problemas os quais eram inimagináveis e que impactam diretamente no mercado imobiliário. Muitas das máquinas e equipamentos eletrônicos utilizados na construção civil são importados da China (berço da covid-19). O isolamento implica numa desaceleração de toda a cadeia produtiva, com menor produção de insumos, menor número de pessoas nos canteiros de obra, morosidade na obtenção de alvarás, licenças e demais documentos expedidos pelos órgãos públicos, diminuição no repasse de capital público e fuga do capital privado, dentre outros impactos periféricos, porém não menos importantes.
Ainda que a exista referência expressa nas medidas sanitárias para que a indústria em geral e a construção civil possam continuar suas atividades, os impactos são inevitáveis.
Desta maneira, a situação atual não pode ser comparada com àquela que deu causa a um expressivo número de demandas judiciais buscando indenizações pelos atrasos nas entregas de apartamentos. Tampouco a situação de agora pode ser objeto de aplicação da referida Súmula 161, do TJ paulista.
A situação atual é, em verdade, inédita, peculiar, inesperada e independente de qualquer conduta por parte das empresas do mercado imobiliário. O que se pode fazer é respeitar as medidas sanitárias impostas pelas autoridades. A situação é de uma força maior jamais vivida em tempos modernos.
Os impactos são certos, mas as exatas consequências ainda não. Porém, é certo que passada a pandemia, espera-se que a sociedade de forma geral – construtoras e incorporadoras, Poder Judiciário e consumidores – ajam com boa-fé e serenidade, de maneira a aceitar o imponderável imposto a todos e, de modo conciliatório, busquem contornar os estragos feitos, nos termos do que prega o próprio CDC, ao impor o equilíbrio e harmonização nas relações de consumo.
*Rodrigo Ferrari Iaquinta, coordenador do departamento de Direito Imobiliário do BNZ Advogados