Opinião

Posso receber salário em bitcoin?

Medida resultaria em flagrante violação ao princípio da irredutibilidade salarial

30 de janeiro de 2023

Por Yuri Nabeshima*

Artigo publicado originalmente na ConJur

A popularização dos criptoativos como forma de pagamento e diversificação de investimentos tem levado muitas pessoas e empresas a adquirirem bitcoins, ethereum, dogecoin, entre outros ativos virtuais. Segundo a Receita Federal, em novembro de 2021, mais de 1 milhão de pessoas físicas e 45,4 mil CNPJs declararam deter criptoativos, totalizando o montante de cerca de R$ 11,36 bilhões.

Atentos a esse movimento, os empregadores têm estudado a possibilidade de incluir a concessão de criptoativos no rol de benefícios a ser oferecido aos seus executivos e empregados com finalidade de captação e retenção de talentos, além de se colocarem na vanguarda do mercado. Em países que sofrem com maior instabilidade econômica, a opção de recebimento de remuneração em criptoativos se mostra ainda mais atrativa aos candidatos, pois se torna uma alternativa para driblar a alta inflação e a desvalorização da moeda local.

Não obstante o apelo do mercado, a adoção de pagamento salarial em criptoativos encontra obstáculo nos ordenamentos jurídicos dos países, que por vezes proíbem transações com ativos digitais em geral – como é o caso de Catar, China e Bolívia -, ou não permitem pagamento de salário senão em moeda corrente, como os Estados Unidos.

A desconfiança dos estados em relação ao uso de criptoativos como meio de pagamento decorre do desconhecimento em relação à tecnologia blockchain, do receio quanto à facilitação de crime de lavagem de dinheiro, e da volatilidade cambial inerente aos ativos digitais. Ainda, dada à natureza descentralizada e paralela dos criptoativos, não há uma autoridade central emissora ou que garanta seu valor de mercado, como ocorre com as moedas convencionais.

No Brasil, dada à natureza essencialmente protetiva da legislação laboral, não é legalmente viável efetuar o pagamento de salário em criptoativos. De acordo com o artigo 463, da CLT, o salário deve ser necessariamente pago em espécie, “em moeda corrente do país”, e qualquer pagamento realizado de outra forma será considerado como não pago.

Ademais, a adoção de pagamento salarial em criptoativos resultaria em flagrante violação ao princípio da irredutibilidade salarial, consagrado no artigo 7º, VI, do texto constitucional. Isso porque tal dispositivo exige a manutenção do valor nominal do salário em moeda nacional, o que é incompatível com a volatilidade a que os criptoativos estão sujeitos.

Em que pese a vedação ao pagamento de salário em criptoativos, tal restrição não se aplica ao pagamento de premiação, que pode ser realizado em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro, desde que em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades. Assim, caso o empregador queira premiar determinado empregado como forma de reconhecimento do trabalho excepcional por ele prestado, pode fazê-lo mediante concessão de criptoativos, sem que configure violação à legislação trabalhista.

É importante destacar que as observações dizem respeito às relações de trabalho regidas pela CLT, diferentemente de contratações com parceiros ou prestadores de serviços, que legalmente permitem a contraprestação em criptoativos, em virtude da natureza civil (não laboral) do relacionamento.

Yuri Nabeshima é mestre e especialista, graduada em Direito pela USP (Universidade de São Paulo) e head da área trabalhista e de inovação do VBD Advogados.

 

Notícias Relacionadas

Opinião

Direito Tributário nos últimos 20 anos: o que mudou?

Jurisprudência não impediu a prolação de decisões conflitantes sobre bases fáticas idênticas

Opinião

O sonho do carro elétrico acabou?

Resta acompanhar se governo irá aumentar alíquota do imposto sobre a importação