Por Renata Cavalcante de Oliveira e Brenno Nogueira*
Artigo publicado originalmente no Estadão
Em tempos do surto de uma pandemia, muitos falam acerca da crise econômica e do impacto nas empresas, especialmente, microempresa e pequeno porte, que ficarão na berlinda da morte empresarial. Entretanto, outro cenário que vamos enfrentar se mostra com as empresas que já estavam em crise financeira por outros fatores antes da chegada da pandemia.
O Brasil vivenciou um período de grande instabilidade econômica desde 2014, fazendo com que diversas empresas precisassem se socorrer ao Judiciário se valendo das benesses da Lei de Falência e Recuperação Judicial, em que a atividade desenvolvida e os resultados obtidos são intensamente fiscalizados seja pelos credores, seja pelo juiz e seus auxiliares.
É fato que muitos empresários que não conseguirem honrar com seus compromissos poderão se valer dos institutos da recuperação extrajudicial e judicial para enfrentamento da crise. O ponto que se aborda nesse artigo é com relação a empresa que já está em recuperação judicial e como poderá superar a crise agravada pela pandemia.
O “Plano de Recuperação Judicial” nada mais é do que um contrato coletivo, em que a recuperanda e seus credores estabelecem obrigações, condições e soluções que bem entenderem ao soerguimento da empresa. E da mesma forma que o contrato particular pode ser renegociado, aditado e modificado, o contrato firmado no concurso de credores também.
Ainda que ausente de previsão legal, a jurisprudência e doutrina caminham pacificadas na possibilidade de a devedora convocar nova assembleia geral de credores para apresentação de modificativo e/ou aditivo do plano de recuperação judicial que se enquadre com a atual situação econômico-financeiro da empresa.
Já com relação a possibilidade de o magistrado avalizar a devedora em descumprir o plano de recuperação judicial, reduzindo o pagamento de valores no período, há divergências entre os operadores do Direito. Um exemplo de tal situação é a decisão proferida em 20/3 pelo juiz da 1ª Vara de Falência de Itaquaquecetuba, no Estado de São Paulo, no processo n. 1006707-50.2016.8.26.0278, autorizando o pagamento de 10% dos créditos que são devidos a cada credor trabalhista, cujo pagamento estava programado para abril e maio.
Em contrapartida, outros, como já se pronunciou o juiz Dr. Marcelo Barbosa Sacramone, da 2ª Vara de Falência de São Paulo, entendem que tal poder foge da competência do magistrado, cabendo exclusivamente aos credores, por meio de uma assembleia geral de credores, decidirem sobre tal questão.
Diante deste contexto, o Conselho Nacional de Justiça aprovou importantes recomendações sobre o impacto do Covid-19 em recuperações judiciais em curso e planos em cumprimento – Recomendação 63/2020 – o qual reforça a necessidade de preservação da empresa e atividade econômica.
Assim, dentre as recomendações o órgão sugere aos magistrados que:
(i) Relativizem a aplicação do artigo 73, inciso IV da Lei 11.1001/05 – que trata da convolação da recuperação judicial em falência – caso a recuperanda venha a descumprir obrigações assumidas no plano de recuperação, em decorrência do distanciamento social e quarentena imposta pela administração pública, fundamentado na ocorrência de força maior ou caso fortuito;
(ii) Autorizar à recuperanda a apresentação de modificativo ao plano de recuperação judicial, a ser submetido novamente para aprovação dos credores, desde que as obrigações até 20 de março esteja adimplidas – data da que delimitou o funcionamento aos serviços públicos e atividade essenciais -, bem como comprovem que a capacidade de adimplemento das obrigações tenha sido comprometida em decorrência da crise da pandemia;
(iii) A suspensão de assembleia de credores já convocadas, com a consequente prorrogação do stay period até sua realização, em atenção às recomendações da Organização Mundial da Saúde de se evitar aglomerações, bem como possibilitando a realização da assembleia de credores, debates e votação do plano de forma virtual;
(iv) Por fim, a fim de mitigar os impactos empresariais e agravamento da crise, recomendam que os magistrados providenciem com prioridade o levantamento de valores depositados nos processos a fim de ajudar a economia brasileira, bem como avaliem com cautela a deferimento de medidas executivas de natureza patrimonial e despejo por falta de pagamento durante a vigência do decreto que instituiu o estado de calamidade pública.
As recomendações do Conselho Nacional de Justiça mencionadas acima se mostram de suma importância, na medida em que visam, de imediato, direcionar magistrados para proferirem decisões mais uniformes, tão necessárias nesse momento para garantia da segurança jurídica. Numa situação tão inóspita como a que estamos vivendo hoje, não se mostra plausível aguardar que tais uniformizações venham a ser obtidas por meio de recursos, pois além de levarem tempo para que cheguem as cortes superiores, gerará uma enorme instabilidade para as partes envolvidas e para a sociedade como um todo.
*Renata Cavalcante de Oliveira, sócia, e Brenno Nogueira, advogado da área cível do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados