Opinião

Todo cuidado é pouco com MP dos salários

Empresas devem ser cautelosas ao reduzir vencimentos, diz advogada

3 de abril de 2020

Por Paula Corina Santone*

Artigo publicado originalmente no Estadão

Sob o manto da preservação do emprego e da renda, viabilização da atividade econômica diante da diminuição de atividades e redução do impacto social em razão das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública, o governo editou a nova MP 936/2020. Ela permite às empresas, em duas situações específicas, a redução da jornada de trabalho e do salário ou a suspensão do contrato de trabalho por acordo individual celebrado diretamente entre empregado e empregador, sem a necessidade de assistência ou intervenção da entidade sindical.

De fato, as empresas que tiveram receita bruta anual de até R$ 4,8 milhões no ano-calendário 2019 poderão suspender os contratos de trabalho dos empregados que recebem até três salários mínimos (R$ 3.117,00) ou mais de duas vezes o limite máximo dos benefícios pagos pelo INSS (R$ 12.202,12) e desde que tenham curso superior. A suspensão poderá ser formalizada por simples acordo individual pelo prazo máximo de 60 dias e, ainda, sem a obrigatoriedade de pagamento de qualquer ajuda compensatória mensal ou percentual de salários em favor desses empregados.

Por outro lado, as empresas poderão optar em reduzir a jornada de trabalho e o salário em até 25% para todos os empregados, independentemente de cargo ou valor de remuneração, também por meio de acordo individual e pelo período máximo, neste caso, de 90 dias.

Contudo, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA) já divulgou uma nota oficial, por meio da qual manifestou preocupação com as recentes medidas trabalhistas editadas pelo presidente da República. Segundo a ANAMATRA, em momento de alta fragilidade, pelas incertezas sociais e econômicas, colocar pessoas com medo para negociarem sozinhas não é negociação, mas sim imposição.

Assim, neste momento de turbilhão e incertezas, recomenda-se às empresas que avaliem essas possibilidades com cautela antes de colocá-las em prática.

Se por um lado é possível dizer que a MP 936/2020 representou um progresso em relação à redação original da MP 927/2020 que permitia a suspensão dos contratos de trabalho sem qualquer compensação financeira, por outro pode-se concluir que a MP encontra-se eivada de flagrante inconstitucionalidade ao prever a possibilidade de redução de salários sem a participação sindical, mediante simples acordo individual entre empregado e empregador.

Realmente, a Constituição Federal, ao tratar dos direitos sociais, prevê a irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo.

Aliás, a própria reforma trabalhista que tanto prestigia o negociado sobre o legislado, igualmente determina que a pactuação de redução de salário ou jornada dar-se-á por convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho que deverá prever a proteção dos empregados contra a dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento, precisamente em conformidade com o texto constitucional que veda a irredutibilidade de salários, salvo negociação coletiva.

Dessa forma, mais uma vez, recomenda-se às empresas que avaliem com cautela as diretrizes contidas na nova MP editada pelo governo e que preferencialmente procedam à redução da jornada e do salário mediante negociação prévia com a entidade sindical, situação em que poderão ser estabelecidos percentuais de redução distintos daqueles previstos na MP, desde que observadas as diretrizes nela constantes.

Paula Corina Santone é sócia trabalhista do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados

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